* por Carlos Thadeu de Freitas Gomes, Chefe da Divisão Econômica da CNC
O ano de 2022 trará muitos desafios para o Brasil, com uma recuperação gradual dos efeitos negativos do período da pandemia. Contudo, pode-se dizer que a situação fiscal não será um problema no curto prazo, pois esse ano as expectativas das contas públicas ainda estão favoráveis e talvez permaneça assim no próximo ano.
A situação fiscal brasileira foi amenizada pela alteração na regra de correção do teto de gastos e no pagamentos dos precatórios. A primeira providência criou um espaço de R$ 62,0 bilhões no orçamento esse ano, somando ao valor gerado pelo alongamento dos gastos judiciários, o espaço dentro do teto em 2022 deve ser em torno de R$ 107,0 bilhões esse ano.
Desse valor, aproximadamente R$ 50,0 bilhões devem ser direcionados para o Auxílio Brasil, além das outras medidas anunciadas pelo governo. Com isso, deve sobrar apenas uma pequena parcela para ser destinada ao fundo eleitoral e às emendas parlamentares, afastando a possibilidade do “populismo fiscal”, uma preocupação em ano eleitoral.
Mesmo com esses aumentos previstos nas despesas, o déficit primário do governo central deve continuar em sua tendência positiva e apresentar uma queda de cerca de 2,0% esse ano. Enquanto o setor público consolidado deve registrar déficit ao redor de R$ 78,3 bilhões em 2022, inferior à meta de R$ 177,5 bilhões estabelecida na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).
Esse resultado acontece por cortes nos gastos, com as despesas reais do governo central reduzindo em 24,1% no acumulado de 2021 até novembro. Os funcionários públicos estão sem previsão de reajuste, com o piso salarial sem correção real, assim como acorreu no ano passado. O relatório do orçamento de 2022 prevê um aumento de 10,04% no salário mínimo, no entanto, espera-se que o INPC tenha terminado 2021 perto de 11,0%.
Além da redução nos gastos, o governo possui folga de caixa, portanto não terá problemas de rolar a dívida e se manter estável no curto prazo. O Banco Central também pode transferir para o Tesouro o saldo positivo da valorização do dólar acumulado nas reserva cambiais, como já foi feito ano passado. O montante esse ano pode chegar a R$ 176 bilhões, enquanto em 2021 a transferência foi de R$ 325 bilhões.
No entanto, é importante ressaltar que grande parte dessa queda na dívida é originada pela contenção de investimentos, ao invés de representar uma redução das despesas menos eficientes. Mesmo assim, é notável o esforço que o governo está fazendo para manter as contas públicas sob controle, guiado com regras rígidas para aumentar gastos, que não deixam o governo gastar mais que pode.
A dívida bruta do governo geral deve permanecer recuando em relação ao PIB, mostrando que a dívida não vai explodir, como previam alguns agentes do mercado quando a pandemia foi declarada. Caso a tendência seja confirmada, o endividamento ficará abaixo do resultado de 2018.
Os últimos dados fiscais até mostraram um superávit primário em novembro de 2021, representando 0,2% do PIB. No entanto, o aumento na taxa Selic começou a afetar a política fiscal, ocasionando um aumento da dívida pública com a elevação de 33,4% dos gastos com os juros nominais entre novembro de 2020 e 2021.
Tem que se considerar que esse movimento nos juros deve durar apenas no primeiro trimestre desse ano, pois a inflação já apresenta uma desaceleração. O relatório Focus demonstrou uma redução na expectativa para o IPCA do ano passado para próximo de 10,0%, enquanto a projeção para 2022 manteve-se em cerca de 6,0%.
O aumento inflacionário atual é principalmente de demanda e oferta, com problemas no abastecimento de matéria prima, gerando procura reprimida, assim como demanda ociosa pelo período de isolamento. Também houve mudança no perfil de consumo, além dos preços dos alimentos e do petróleo em alta no mundo.
Por isso, o Banco Central não precisa subir demais a Selic, ou então terá o efeito contrário e vai frear o crescimento econômico, pois as taxas de juros mais altas impactam o crédito, artifício utilizado pelos consumidores para manterem seu padrão de consumo. Esse ano o crédito deve continuar em expansão, a estimativa é que tenha crescido acima dos 13% em 2021 e que, em 2022, chegue a 8%.
Os desembolso com as medidas anunciadas pelo governo, como o auxílio gás e auxílio diesel a caminhoneiros, devem incentivar o comércio, tornando o consumo das famílias um motor para o crescimento econômico. O setor de serviços também deve aquecer a economia, com as famílias podendo se deslocar mais livremente e, com isso, podendo demandar mais bens e serviços.
O país deve da mesma forma evoluir no setor externo. A expectativa é de um saldo positivo de US$ 79,4 bilhões na balança comercial brasileira. Nesse caso, representará um aumento de 30,1% em relação a 2021, que já obteve um valor recorde de US$ 61 bilhões. A safra também deve ter número recorde esse ano, com a produção podendo chegar a 291 milhões de toneladas.
Com esses resultados positivos, espera-se que o PIB cresça ao redor de 1% esse ano, ajudando a manter a receita pública. O maior desafio desse ano serão as eleições, que podem gerar incertezas para os próximos anos e prejudicar os investimentos de longo prazo. O perigo também vem de fora, como a possibilidade de elevações das taxas de juros dos países desenvolvidos, gerando saída de capitais caso os investidores percebam que compensa investir em títulos dos países desenvolvidos.
O Brasil tem tido rigor fiscal desde 2017 e alterar a meta dos gastos não significa que a política fiscal ficou frouxa, pelo contrário, deu maior previsão as despesas orçamentárias. Como já foi abordado em artigos anteriores, rolar os precatórios não é calote e sim possibilitar maior rigor fiscal e previsibilidade no curto prazo.