Falta crédito para a baixa renda

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A consultoria TNS Interscience divulgou estudo que desmonta as discussões sobre um eventual esgotamento do crédito junto à população de baixa renda. Segundo a pesquisa, 71% da população com renda mensal de até R$ 1,5 mil não têm ou não usam linha de crédito. Além disso, apenas 8% da renda familiar dos 29% deste estrato que usa o sistema está comprometida com o pagamento de crédito – na classe média esse relação é de 6% e em todo o sistema financeiro é de 15%.

A consultoria TNS Interscience divulgou estudo que desmonta as discussões sobre um eventual esgotamento do crédito junto à população de baixa renda. Segundo a pesquisa, 71% da população com renda mensal de até R$ 1,5 mil não têm ou não usam linha de crédito. Além disso, apenas 8% da renda familiar dos 29% deste estrato que usa o sistema está comprometida com o pagamento de crédito – na classe média esse relação é de 6% e em todo o sistema financeiro é de 15%.


De acordo com o diretor da consultoria, Paulo Secches, um dos motivos que leva a níveis tão baixos de comprometimento da renda mensal com o crédito é a falta de produtos adequados à população de baixa renda. “Há um gap entre o que esse nicho quer e o que é oferecido”, disse. Segundo a pesquisa, apenas 4% dessa classe tem cheque especial, embora 13% delas gostassem de ter. E só 1% tem acesso a financiamento de veículos, sendo que 6% gostariam de ter.


“Em geral, o portfólio de produtos de crédito para a baixa renda trabalha com a minimização da desgraça e não para atender a necessidades subjetivas ou os sonhos dessa população”, afirmou. No estudo, Secches também identificou que é um mito a velha história de que “pobre compra o que cabe no bolso, sem olhar para a taxa de juros”. Das 500 pessoas ouvidas, 70% informaram que deixaram de tomar algum empréstimo devido às taxas de juros.


“Essas pessoas desistem porque têm medo de não pagar a conta diante de taxas de juros tão proibitivas. E o sistema financeiro precisa mudar os sinais que têm emitido de que se a pessoa ficar inadimplente será crucificada em praça pública ou apedrejada. Não dá mais para criar essa sensação de alarde”, afirmou. Além disso, a pesquisa identificou que, no final de 2005, 34% disseram que estavam menos endividados; 21%, iguais; e 45% mais endividados.


Por outro lado, 19% disseram que iriam saldar dívidas em 2005 com a renda extra do final do ano, ante 57% que previam tal destinação dos recursos em 2002 – quando houve um pico da inadimplência. Também em 2005, 56% informaram que destinariam os ganhos adicionais de final de ano para o consumo, contra 18% dessa intenção em 2002. “Este direcionamento é um sinalizador de que o endividamento da população está em um nível suportável”, afirmou.


O estudo apresentado por Secches no Seminário do Centro de Excelência em Varejo (GVcev) da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV-EAESP) consultou 500 pessoas em São Paulo e no Rio de Janeiro. O diretor também se utilizou de outras três pesquisas para compor o panorama: Faces Emergentes do Consumo e Crédito, em que foram ouvidas 500 pessoas; Monitoramento de Filas, com consulta a 8 mil pessoas, e Taxas de Juros, na qual foram abordadas outras 500 pessoas.


Panorama


Segundo Secches, de um total de 44,8 milhões de domicílios no Brasil, 68% têm pessoas com renda de até cinco salários mínimos. “Não falta pobre para banco fazer negócio”. A pesquisa também identificou que o nível de informatização da população de baixa renda ainda é baixo, de 17%, e que a maioria dessas pessoas (52%) trabalha sem registro. Em função de terem uma renda variável e instável, 78% delas pagam suas contas em dinheiro.


“Essa é a maior barreira para uma maior utilização de canais eletrônicos”. Para Secches, a pessoa de baixa renda construiu por necessidade um sistema de gestão de fluxo de caixa, uma vez que as entradas de dinheiro variam de mês para mês e sem dia certo. “Por isso, elas preferem pagar com multa se não tiverem o dinheiro na data a deixarem o débito cair automaticamente, sujar seu nome, cancelar a sua conta ou perder o dinheiro da poupança”.


Para Secches, os bancos devem entender a inadimplência como núcleo (core) do negócio. “Se a pessoa atrasa, mas paga com adicional de multa é um ótimo negócio. O importante é girar a carteira. Assim, o crédito vai crescer de forma sustentável”, disse. O professor da FGV, Sérgio Pereira, também avaliou que a inadimplência é positiva para os bancos porque é muito mais vantajoso refinanciar do que gastar para captar um cliente.


Mas Pereira discorda de Secches quanto ao futuro do crédito para o varejo. Para o professor, existe o risco de o ciclo do crédito chegar ao fim no próximo governo se não houver incentivo à produção. Isto porque, na sua avaliação, sem crédito para a pessoa jurídica os bancos cairão em uma armadilha porque os salários não irão crescer e a capacidade de pagamento da pessoa física cairá, levando à inadimplência. “Embora hoje realmente a inadimplência seja vista de outra forma: o bom é não perder o cliente, que se não pagou é porque teve um contratempo”.


De acordo com Pereira, o crédito às pessoas físicas diante de elevados juros e spreads bancários tem funcionado como um dos maiores concentradores de renda do país. “Sobretudo para bens de consumo. Tenho visto venda de eletrodomésticos com prazo de 48 meses ou 60 meses. O consumidor não entende que o bem pode acabar antes do pagamento dele”, disse. O professor da FGV avalia que essa armadilha só será desmontada com investimentos privados e aperto fiscal.

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