A liberdade de comércio e os produtos agrícolas (Jornal do Commercio, 22/09/2005)

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Antonio Oliveira Santos

Presidente da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo


Relatório recentemente divulgado pela Organização Econômica para o Desenvolvimento (OECD) assinala que foi pequeno o avanço feito nas duas últimas décadas no sentido da liberalização do comércio internacional de produtos da agropecuária. O apoio aos agricultores dos países desenvolvidos alcançou, em 2004, a astronômica cifra de US$280 bilhões de dólares, com fortes variações de país a país.

Antonio Oliveira Santos

Presidente da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo


Relatório recentemente divulgado pela Organização Econômica para o Desenvolvimento (OECD) assinala que foi pequeno o avanço feito nas duas últimas décadas no sentido da liberalização do comércio internacional de produtos da agropecuária. O apoio aos agricultores dos países desenvolvidos alcançou, em 2004, a astronômica cifra de US$280 bilhões de dólares, com fortes variações de país a país. Austrália e Nova Zelândia garantem 5% das receitas dos agricultores, percentual que sobe para 20% na América do Norte e chega a 34% na União Européia. O Japão representa um caso extremo, ao garantir 60% da renda de seus agricultores.


Para uma população que representa pequena parcela da população ativa, o fato dos subsídios agrícolas continuarem a travar a liberdade de comércio, a ponto dos agricultores das economias desenvolvidas passarem quase incólumes pelas tentativas de liberalização, mostra o surpreendente poder político que ainda têm em suas mãos.


Talvez a melhor ilustração deste poder esteja no caso da França, membro da União Européia (UE). A  “Política Agrícola Comum” absorve mais de 40% do orçamento global da UE  e desse percentual cerca de uma quarta parte vai para a França, país que, em 2004, recebeu mais de 9 bilhões de euros. Ao lado do auxílio direto com base na área plantada e número de cabeças de gado, surge essa nova ajuda na forma de medidas ambientais e territoriais, orientadas para o desenvolvimento rural.


Quando se vê o peso que representa a França no total dos auxílios e subvenções, que a União Européia concede a seus agricultores, não admira a dificuldade de diálogo entre Toni Blair, primeiro-ministro britânico que assume a Presidência da União neste semestre, e o Presidente Chirac da França, durante a última reunião de Chefes de Estado e de Governo, ao tratar do 0rçameno da União para 2007/2013.


Embora a política dos Estados Unidos seja menos danosa que a da União Européia, o “lobby” agrícola conseguiu inverter o sentido da legislação proposta pelo Presidente Clinton, de gradual eliminação da proteção, e as propostas do Presidente Bush de apoio do governo federal ao protecionismo.


Ainda que a redução dos auxílios à agricultura nos países desenvolvidos tenha sido, até agora, muito vagarosa, a limitação dos subsídios a determinados volumes de produção – que geraram no passado montanhas de manteiga e trigo – não deixa de ser um progresso. Não obstante, a compensação com base na área plantada e em níveis históricos de produção continua a ser fontes de distorção de comércio.


A política agrícola dos países economicamente mais avançados distorce não só os mercados externos como também os mercados internos. Neste caso, os mecanismos de sustentação de preços tornam os alimentos mais caros, no plano doméstico, e prejudicam as classes menos favorecidas nesses países.Contudo, cabe assinalar que a posição do Itamarati, nesse particular, é a de aceitar o subsídio para a sustentação dos preços para o produtor à condição que fique restrito ao plano interno e nunca como instrumento de competição desleal, na exportação para os mercados internacionais. Seja como for, para os agricultores dos países pobres e mesmo dos emergentes, como o Brasil, os subsídios, as quotas e a proteção tarifária diminuem o que poderia ser o potencial de participação no mercado mundial de produtos agrícolas.


A Organização Mundial de Comércio é que poderá ser um instrumento de liberalização, na medida em que formas de proteção agrícola começam a ser objeto de controvérsias por ela dirimidas. No ano passado, o Brasil teve ganho de causa no caso do algodão dos Estados Unidos, assim como da proteção dada ao açúcar não competitivo, pela União Européia. Contudo, esses êxitos parciais ainda não garantem a desmobilização de todo um mecanismo de proteção agrícola imposto pelos países ricos. O tema da liberalização do comércio internacional de produtos agrícolas continuará sendo um ponto de fricção nas relações entre Centro e Periferia.


Publicado no Jornal do Commercio de 22/09/2005.

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