Um salto no escuro (Jornal do Commercio, 19/08/2004)

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Antonio Oliveira Santos

Presidente da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo


Um dos problemas mais difíceis, no equacionamento econômico do mercado de trabalho, é, sem dúvida, o montante de encargos que acompanham o salário dos trabalhadores. A princípio, estabeleceu-se sobre a folha de pagamentos uma contribuição de 3% do empregador e 3% do empregado, com a finalidade de financiar um sistema de previdência social, a exemplo do que vinha acontecendo em todo mundo.

Antonio Oliveira Santos

Presidente da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo


Um dos problemas mais difíceis, no equacionamento econômico do mercado de trabalho, é, sem dúvida, o montante de encargos que acompanham o salário dos trabalhadores. A princípio, estabeleceu-se sobre a folha de pagamentos uma contribuição de 3% do empregador e 3% do empregado, com a finalidade de financiar um sistema de previdência social, a exemplo do que vinha acontecendo em todo mundo. O sistema foi sendo implementado por categorias: primeiro, a Caixa de Aposentadoria e Pensões dos Ferroviários (1923), depois o IPASE e o o Instituto de Previdência dos Marítimos, depois o dos Bancários, e assim, prosseguiu alargando sua cobertura, até que, em 1966, todos esses Institutos foram fundidos no INPS – Instituto Nacional de Previdência Social. No curso dessa evolução, a contribuição do empregador sobre a folha de salários foi crescendo sucessivamente, o mesmo acontecendo com a do trabalhador.  Atualmente, essas percentagens são de 20% e 8%, respectivamente.


Há uma lógica insofismável para que a contribuição previdenciária tenha a folha de salários como base de cálculo, a partir do princípio de que o benefício previdenciário é uma complementação do próprio salário. Outra consideração fundamental é o vínculo que deve existir, necessariamente, entre o benefício e seu titular, com vistas à sua identificação quando chegar a hora da aposentadoria ou da pensão.


É evidente que o sistema previdenciário foi distorcido em seus fundamentos, quando se decidiu adotar o modelo da repartição, ao invés da capitalização. No primeiro caso, o beneficiário recebe um valor calculado sobre a média de suas contribuições, independentemente da disponibilidade de recursos, enquanto no segundo as contribuições são acumuladas em um Fundo de Investimentos, em nome de cada assalariado, que vai receber, na aposentadoria, o correspondente ao rendimento financeiro do Fundo e mais uma parcela de sua restituição, com base em cálculos atuariais. Com as mudanças na pirâmide etária, pela extensão das expectativas de vida, o sistema previdenciário da repartição está fadado a desaparecer ou a ser encampado pelo Estado, pelo menos em um nível que assegure um padrão de vida mínimo às classes sociais de rendas mais baixas. Como, aliás, deveria, acontecer no caso do INSS.


O espantoso crescimento dos sistemas de previdência complementar revela a lógica do modelo baseado na capitalização, onde a identidade do titular é indispensável à formação do patrimônio previdenciário. Assim sendo, foge à racionalidade qualquer proposta de transferir a base de cálculo da contribuição previdenciária patronal da folha de pagamentos para o faturamento, a receita ou o lucro. O Governo brasileiro cometerá um erro lamentável se prosseguir nessa direção.


A justificativa do atual Governo para propor uma modificação nesse sentido assenta em duas premissas falsas: primeira, de que simplesmente transferindo a base de cálculo da folha de pagamentos, vai induzir o empresário a contratar mais mão-de-obra; segunda, que essa contratação terá o caráter formal, ou seja do empregado com carteira de trabalho, que lhe assegurará todos os demais benefícios sociais, de que estaria excluído na informalidade.


Por que são falsas essas premissas? Porque, simplesmente, qualquer empresário calcula o custo da mão-de-obra que utiliza somando todas as parcelas que o compõe. O fato de “mudar o sofá de lugar”, obviamente, não vai alterar o cálculo racional do empresário. Chega-se, então, à conclusão, de que por trás dessa proposta esteja o objetivo simplista de aumentar a arrecadação do sistema previdenciário oficial. Sem considerar os transtornos que advirão dessa mudança, que poderá onerar injustamente uns setores em benefício de outros, é evidente que qualquer aumento da carga tributária, na conjuntura atual, vai induzir as empresas a economizarem em mão-de-obra, o que significa aumentar o nível de desemprego. Exatamente o contrário do que imagina o Governo. Há muita coisa para mudar ou reformar, no Brasil, como todo mundo sabe. Mas intentar mudanças sem a devida avaliação de suas conseqüências, ainda mais partindo de premissas equivocadas, é mais grave e perigoso do que dar um salto no escuro.


Publicado no Jornal do Commercio de 19/09/2004.


 

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