Antonio Oliveira Santos
Presidente da Confederação Nacional do Comércio
A proposta de criação de uma Área de Livre Comércio para as Américas ( ALCA ) surgiu em 1994 quando os Chefes de Estado de 34 países da região, reunidos em Miami, acordaram construir uma área de livre comércio, com a eliminação progressiva de barreiras ao comércio e de entraves ao investimento.
Antonio Oliveira Santos
Presidente da Confederação Nacional do Comércio
A proposta de criação de uma Área de Livre Comércio para as Américas ( ALCA ) surgiu em 1994 quando os Chefes de Estado de 34 países da região, reunidos em Miami, acordaram construir uma área de livre comércio, com a eliminação progressiva de barreiras ao comércio e de entraves ao investimento. Nessa ocasião, comprometeram-se a encerrar todo o processo de negociação em 2005, conforme declaração de princípios e plano de ação firmados pelos Chefes de Estado.
Desde o primeiro momento, muitos acadêmicos, empresários e políticos mostraram-se reticentes, senão temerosas, quanto à participação do Brasil nessa iniciativa de liberalização das transações internacionais, no contexto do hemisfério. Vários são os argumentos nesse sentido, com forte viés doutrinário tais como: a inserção de uma cunha no processo de integração do Mercosul, a diferença na escala da produção industrial em relação aos Estados Unidos, a dificuldade no acesso e domínio das tecnologias de ponta e, até mesmo, a condenação do País a mero produtor de “ manufaturas intermediárias “.
Aparentemente, reservas e reticências em relação à liberalização do comércio nas Américas continuam a existir nas altas esferas do novo Governo, reforçadas pelas recentes declarações do Presidente da Argentina, no sentido de minimizar a importância da ALCA frente ao MERCOSUL.
Antes de dar guarida a tais reservas e reticências, conviria conhecer melhor o processo de negociação da ALCA. Tal processo se desdobra por nove grupos de negociação e quatro comitês especiais. Os grupos de negociação tratam de acesso a mercados, investimento, serviços, compras governamentais, resolução de controvérsias, agricultura, direitos da propriedade intelectual, subsídios e medidas “ anti-dumping “ e políticas concorrenciais. Os comitês cuidam das economias de menor dimensão, da participação da sociedade civil,do comércio eletrônico e de temas institucionais.
As negociações são orientadas por um conjunto de cinco princípios enumerados, a seguir:
- as regras e disciplinas da ALCA são coerentes e melhoradas em relação às da OMC;
- as decisões são tomadas por consenso;
- as negociações são conduzidas de maneira transparente;
- Atenção especial é dada às necessidades das economias de menor dimensão.
- a ALCA pode coexistir com acordos bilaterais e subregionais, sendo facultado aos países negociar direitos e obrigações tanto individualmente como através dos grupos de integração subregional; e
- na ALCA nada está convencionado até que haja acordo global.
Para sublinhar a complexidade do projeto de construção da Área de Livre Comércio das Américas, vale a pena exemplificar, além do Preâmbulo e de um texto preliminar sobre serviços, com alguns aspectos dos 13 capítulos da Minuta de Acordo.
A Agricultura merece um capítulo à parte. Nele há seções que tratam de temas tais como acesso a mercados, subsídios à exportação, distorção do comércio, medidas sanitárias e fitosanitárias e ajuda alimentar O capítulo sobre tarifas e medidas não tarifárias, com 5 seções, contém 17 artigos ( o artigo 4º propõe um programa de eliminação tarifária ) e entra pormenorizadamente em aspectos técnicos como as disposiçõse sobre regimes especiais ou mercadorias regeneradas. Um minucioso capítulo sobre salvaguardas distingue as que são próprias da ALCA das que são de natureza global. O capítulo sobre investimentos, com 22 artigos, trata de questões tais como o tratamento nacional e o de nação mais favorecida ou a solução de controvérsias entre Estados.
Certamente, de todos, o de maior complexidade é o capítulo sobre a propriedade intelectual, com 6 partes, a parte segunda desdobrada em 12 seções e um total de 103 artigos. Tópicos muito além das marcas e patentes de invenção,como os direitos conexos, a proteção às expressões do folclore e direitos inerentes à biotecnologia estão previstos nesse capítulo.
O acordo que vier a ser firmado para a criação da ALCA é produto de laboriosas rodadas de negociações sobre uma vasta temática de estrutura complexa. Assim, aceitar ou rejeitar a iniciativa da liberalização do comércio não pode ser resultado de apreciações apressadas, baseadas em argumentos calcadas em generalidades ou ranços ideológicos. O Acordo será bom para o Brasil dependendo de nossa capacidade de negociação e, nesse sentido,é preciso confiar na competência dos nossos diplomatas e negociadores do setor privado.
Em nenhuma condição se deveria descartar a hipótese de uma negociação conjunta dos países do Mercosul para, resolvidas as pendências intra-grupo, adotar uma posição comum frente a ALCA.
Seja como for, tudo indica que o projeto de criação da ALCA será levado a bom termo. Um Brasil ausente pode significar a ocupação, pelo México, pela China e outros dos espaços vazios deixados por nosso País no maior mercado consumidor do mundo. Por outra parte, as sucessivas rodadas de negociação na OMC caminham no rumo da tarifa zero, para o comércio de bens e serviços, o que significa dizer que a ALCA será apenas uma antecipação desse processo. O receio de um Brasil inundado de “ gadgets “ americanos parece infundado, posto que as cláusulas de salvaguardas, como mecanismo de defesa, permitirão avaliar se os resultados da liberação serão verdadeiramente eqüitativos, à medida que o Acordo for sendo implementado. Por último, é importante consignar que, embora o Acordo esteja previsto para iniciar em 2005, a sua implementação far-se-á ao longo de 15 anos, ou seja até o ano 2020.
Publicado no Jornal do Commercio de 17/05/2003, Caderno Opinião, pág. A-17