Antonio Oliveira Santos
Presidente da Confederação Nacional do Comércio
A formação profissional, em nosso país, encontra origem mais remota nos arsenais militares e, depois, nos liceus de artes e ofícios, e nas escolas técnicas.
Antonio Oliveira Santos
Presidente da Confederação Nacional do Comércio
A formação profissional, em nosso país, encontra origem mais remota nos arsenais militares e, depois, nos liceus de artes e ofícios, e nas escolas técnicas. Na fase inicial do nosso processo de industrialização, a Constituição de 1937, ao tratar da “educação e da cultura”, estabeleceu que o “ensino pré-vocacional e profissional destinado às classes menos favoráveis é, em matéria de educação, o primeiro dever do Estado” e que “é dever das indústrias e dos sindicatos econômicos criar, na esfera de sua especialidade, escolas de aprendizes destinadas aos filhos de seus operários ou de seus associados”.
Em 1939, o presidente Vargas, com grande visão e notável sensibilidade social e econômica, baixou decreto-lei obrigando os estabelecimentos comerciais, industriais e assemelhados, com mais de 500 empregados, não só a “instalar refeitórios”, como também a “organizar e manter cursos de aperfeiçoamento profissional, para adultos e menores”, o que pode ser considerado como a semente de toda uma sistemática que se formou desde então. Na esteira da Confederação Nacional da Indústria (CNI), criada em 1938, oito federações patronais da classe comercial criaram, em 1945, a Confederação Nacional do Comércio (CNC), cuja primeira diretoria tomou posse em 10.1.46, em sessão solene realizada no Theatro Municipal do Rio de Janeiro.
Nesse mesmo dia, sintomaticamente, o presidente José Linhares baixou os decretos-leis nºs 8.621 e 8.622, o primeiro para atribuir à CNC o encargo de organizar e administrar escolas de aprendizagem comercial, criando, para esse fim, o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac); e o segundo, para regulamentar a “aprendizagem dos comerciários”. Seguia-se, desse modo, o modelo descentralizante e privatista que orientou a criação, pelo presidente Vargas, em 1942, do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), destinado a organizar escolas de aprendizagem para os industriários.
A criação do Sesc e do Sesi, por decreto-Lei do presidente Dutra, em 1946, adotou modelo semelhante, cabendo a essas entidades privadas estudar, planejar e executar medidas para o bem-estar social e a melhoria do padrão de vida dos trabalhadores da indústria e do comércio, respectivamente. Completava-se, desse modo, o modelo inovador de descentralização, mediante delegação, às confederações da classe empresarial, do encargo de organizar e manter entidades privadas destinadas à execução de atividades de relevante interesse social, nas áreas de formação profissional e serviços sociais.
O custeio dos serviços afetos a essas entidades foi atribuído, exclusivamente, à própria classe empresarial, em função dos nobres propósitos de ascensão social de industriários e comerciários, e de aumento da produtividade nacional. Para esse fim, as empresas das áreas industrial, desde 1942, e comercial, desde 1946, ficaram obrigadas a prestar uma contribuição mensal calculada com base na folha de salários. Inobstante o caráter compulsório, as referidas contribuições constituem figura sui generis. Muito embora possam ser incluídas no conceito, vasto e fluido, criado na França, da chamada parafiscalidade, as chamadas contribuições ao “Sistema S” não integram o Sistema Tributário Nacional, estruturado em 1965, nem, tampouco, o Sistema de Seguridade Social, organizado em 1988, em relação aos quais são autônomas. Em verdade, são contribuições efetuadas pela classe empresarial e destinadas a financiar atividades privadas de relevante interesse social, nas áreas da formação profissional e dos serviços sociais, preenchendo, assim, segmentos não atendidos, nem sequer previstos, seja no sistema educacional, seja no sistema de seguridade social. A aplicação dos recursos oriundos dessas contribuições submete-se ao julgamento do Tribunal de Contas da União e à fiscalização do Sistema de Controle Interno do Governo federal. Graças a tal sistemática, no decorrer de mais de 50 anos, milhões de jovens e adultos habilitaram-se legalmente ao exercício de profissões condignas e milhões de industriários e comerciários usufruíram de atividades de lazer, especialmente culturais, esportivas e recreativas. Trata-se, por conseguinte, de sistemática genuinamente nacional, com auspiciosos resultados na melhoria do padrão de vida de expressiva parcela dos trabalhadores brasileiros, custeada e gerida pela classe empresarial.
Nessas condições, os trabalhadores da indústria e do comércio de bens e serviços devem receber com imensa preocupação as notícias sobre supostas modificações no Sistema em tela, provavelmente no interesse de setores ávidos de qualquer parcela de poder, sobretudo para manobrar recursos financeiros. Os trabalhadores que já perderam as receitas do Fundo Pis-Pasep sofrerão perdas com a reforma da Previdência, não conseguem o salário-mínimo de US$ 100 e, agora, estão diante da ameaça de desestruturação do modelar sistema de aprendizagem profissional e serviço social dos industriários e comerciários, que vem funcionando com êxito reconhecido há mais de 50 anos.
Publicado no Jornal do Commercio de 18/06/2003, Caderno Opinião, pág. A-17.