A tortuosa reforma tributária (Jornal do Brasil, 12/11/2003)

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Antonio Oliveira Santos

Presidente da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo


A proposta de reforma tributária, aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado, reune algumas poucas coisas boas e muitas ruins.

Antonio Oliveira Santos

Presidente da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo


A proposta de reforma tributária, aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado, reune algumas poucas coisas boas e muitas ruins. A soma algébrica é visivelmente negativa, se analisarmos a proposta pelo que representa de potencial aumento da carga tributária.


Dois pontos podem ser destacados como positivos: o primeiro é o que se refere à regulação do ICMS por lei federal, com a fixação das alíquotas internas pelo Senado; extingue-se, assim, o arbítrio conferido aos Estados para aumentar as alíquotas do imposto a seu talante.O segundo é o que introduz a “noventena”, ou seja, o dispositivo que estabelece o prazo mínimo de 90 dias para a cobrança de novos tributos ou de tributos aumentados.


No mais, as propostas carregam um viés tributário fácil de ser demonstrado, como, por exemplo, as que se referem à progressividade do imposto sobre herança (ITCMD), do imposto territorial rural (ITR) e do imposto de transmissão de imóveis (ITBI), à extensão  do IPVA sobre aeronaves e embarcações, à nova sistemática e nova alíquota da COFINS, às contribuições de iluminação pública e de limpeza urbana, à tributação sobre importação de serviços, à imposição sobre as importações dos encargos sociais como PIS e COFINS, além da possibilidade de inclusão das importações como fonte de financiamento do INSS.


Para fugir à noventena, o Governo acaba de enviar ao Congresso a MP nº 135, antecipando a mudança da COFINS, cujo resultado, em alguns casos, sugere aumento da carga tributária em mais de 150%.


De todas essas propostas, a mais esdrúxula é a que se refere à transferência da contribuição previdenciária do empregador, da folha de salários para o faturamento. Sem contar o viés de alta embutido nesse dispositivo, pela alíquota arbitrária de 2,6% que se pensa fazer incidir sobre o faturamento, para compensar a transferência de 50% da contribuição sobre a folha de pagamentos, é incrível que o Congresso Nacional possa embarcar numa aventura desse tipo, um verdadeiro salto no escuro, no pressuposto de que, com isso, vai estimular a contratação de mão-de-obra com carteira assinada.

Não dá para entender que alguém acredite que, “mudando o sofá de lugar”, possam ser reduzidos, como num passe de mágica, os encargos que pesam sobre os salários. Qualquer empresário sabe que um empregado pesa no orçamento de sua empresa não só pelo salário que recebe, mas também pelos acréscimos que advêm do INSS, do FGTS, do Sistema “S”, do salário educação, do acidente de trabalho, do descanso semanal remunerado, do adicional de um terço sobre o valor das férias, dos 40% de acréscimo do FGTS, em caso de despedida do empregado, do vale transporte, do ticket alimentação.


Pensar que a simples transposição de metade da contribuição patronal para o faturamento vai aliviar a carga dos salários e induzir o empresário a contratar mais, de assinar a carteira do empregado, é de uma ingenuidade de pasmar.


Em compensação, pode-se prever o acréscimo de burocracia que essa medida vai representar, diminuindo a eficiência do INSS na arrecadação e complicando a vida do empresário com novas formas de controle e fiscalização. Para completar, a proposta vai no sentido de colocar essa nova contribuição sobre o faturamento no regime de valor adicionado, o que significa que no cálculo da contribuição devida deverá ser levado em conta, para fins de desconto, o montante da mesma contribuição incidente nas operações anteriores. Isto vai requerer a escrituração de livros especiais, de entrada e saída, sem o que não se poderá apurar o “crédito fiscal” que, certamente, vai induzir a presença do Fiscal do INSS para conferir os cálculos.


Não é preciso ir mais longe, para saber que o contribuinte vai pagar uma conta mais alta, o Governo vai arrecadar mais, com mais burocracia, sempre prometendo que a “reforma tributária visa a retomada do desenvolvimento, a justiça social e a redução dos tributos”. Enfim, como dizia o ministro José Maria Alckmin, “mais vale a versão do que o fato”. Tudo isso, como também dizia outro ministro, Dr. Eugenio Gudin, “faz parte da burrice nacional”.


Publicado no Jornal do Brasil de 12/11/2003, Caderno Opinião, pág. A-13.

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