Uma lei estapafúrdia (A Gazeta, 14/04/2002)

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Antonio Oliveira Santos

Presidente da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo


A Lei 3.542/01, patrocinada pelo deputado Sérgio Cabral, que teve a iniciativa de cultivar pro domo sua o voto dos “velhinhos”, aprovada pela Assembléia Legislativa e sancionada pelo Governador do Estado do Rio de Janeiro, foi objeto de uma liminar que argüía junto ao Supremo Tribunal Federal a inconstitucionalidade da lei.

Antonio Oliveira Santos

Presidente da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo


A Lei 3.542/01, patrocinada pelo deputado Sérgio Cabral, que teve a iniciativa de cultivar pro domo sua o voto dos “velhinhos”, aprovada pela Assembléia Legislativa e sancionada pelo Governador do Estado do Rio de Janeiro, foi objeto de uma liminar que argüía junto ao Supremo Tribunal Federal a inconstitucionalidade da lei. Como é do conhecimento de todos, a lei obriga as farmácias e drogarias a concederem desconto de 30% para os medicamentos comprados pelos consumidores maiores de 60 anos.


Relatora da Ação, a Ministra Ellen Gracie Northfleet refutou a argumentação desenvolvida pela Confederação Nacional do Comércio (CNC), mas colocou em evidência o paradoxo criado por um sistema de formação de preços onde a indústria tem liberdade de fixação e a ponta final da oferta fica sob o controle da lei. No voto da Ministra pesou o risco para os idosos em seu direito à vida, caso a vigência da lei fosse suspensa. É bem verdade que o voto deixa uma válvula de escape quando prevê que se a lei for, em definitivo, declarada inconstitucional “os empresários poderão se ressarcir dos prejuízos pelas regras do mercado”. Nesse caso, contudo, permaneceria uma área cinzenta de indefinição. Se o ressarcimento for um sobrepreço sobre o preço anterior ao do desconto requerido pela Lei, num primeiro momento, o aumento sentido pelos idosos seria brutal. Para o comércio varejista, uma situação proustiana ” na busca do preço perdido “.


O presidente do STF, ministro Marco Aurélio de Mello, voto vencido no plenário, reconheceu como inegável o alcance social da Lei, em vigor desde março de 2001; contudo, assinalou que o desconto seria similar a um subsídio concedido, não pelo poder público dentro de uma visão social de política fiscal e, sim, suportado pelos donos de farmácia. No entender do presidente do STF, a lei representa uma ” interferência no domínio econômico ” que agride o artigo 174 da Constituição Federal.


Seja como for, a decisão do Supremo suspende a decisão liminar no Mandado de Segurança impetrado pelo Sindicato do Comércio de Produtos Farmacêuticos no Rio de Janeiro, que havia sido mantida pela 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado.

As leis benfazejas, que na demanda pelo social não atentam para a relações de interdependência ao longo das cadeias produtivas, terminam por produzir situações verdadeiramente disparatadas. De um modo fatual, argumentam os donos de farmácias no Estado do Rio de Janeiro que a margem média de comercialização dos medicamentos é de 24%; e é dessa margem que saem todas as despesas operacionais, desde o salário do balconista até a conta de luz. E dão um exemplo sobre o despautério da lei: um medicamento cujo preço fosse de R$ 10,00, incluindo o ICMS, custa para a farmácia R$7,60. Se sob o império da lei a farmácia se vê obrigada a dar um desconto de 30%, receberá pelo medicamento R$7,00. Na ilustração, a venda resultou num prejuízo de 60 centavos.


Ora, como ninguém é forçado a operar indefinidamente com perda, é possível, desde logo, vislumbrar dois efeitos da aplicação da lei. O primeiro, o desabastecimento dos medicamentos de uso continuo que seguram o coração dos velhinhos do deputado Sérgio Cabral; o segundo, corolário do primeiro, a peregrinação dos idosos até as cidades dos estados fronteiriços, em busca do remédio faltante. Tudo isso, sem descartar a hipótese de criação de um mercado informal, onde o preço praticado, de duas uma, absorveria o desconto pretendido pela lei ou escaparia ao imposto estadual. Quem poderá obrigar a farmácia ou a drogaria a vender um produto que não tem?


Desorganizado o mercado varejista desses medicamentos de uso freqüente pelos maiores de 60 anos, registraríamos, então, uma lição exemplar para o Legislador que se esmera em fazer barretadas com o chapéu alheio. Outra lição a retirar do quadro vislumbrado pela falência da lei, nestes tempos de maior interação entre a Ciência do Direito e as Ciências Econômicas, é a de que uma e outra disciplinas têm doutrinas e princípios basilares que devem ser mutuamente respeitados, para que possam conviver harmoniosamente.


Publicado no Jornal A Gazeta de 14/04/2002, Caderno Opinião, pág. 4.

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