Encontro destaca participação especial do presidente do Assaí Atacadista, Belmiro Gomes, e apresenta temas como modelo atacarejo, informalidade e papel da mulher no trabalho
A primeira reunião da Câmara Brasileira do Comércio de Gêneros Alimentícios (CBCGAL) da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) de 2025 reuniu representantes de Federações do Comércio de todo o País e marcou o início de um ciclo de discussões estratégicas para o setor alimentar, destacando tendências, desafios e perspectivas.
A abertura oficial, que aconteceu no dia 30 de maio, no Rio de Janeiro, ficou a cargo do coordenador da CBCGAL, Álvaro Furtado, que deu as boas-vindas aos participantes e ressaltou a relevância da reunião. “É um prazer, uma honra que vocês estejam aqui participando desta reunião, representando empresas e segmentos fundamentais do comércio brasileiro”, afirmou Furtado.
O coordenador-geral das Câmaras Brasileiras do Comércio e Serviços da CNC, Luiz Carlos Bohn, reforçou a importância do encontro, que une os setores produtivo e sindical para debater o presente e o futuro do abastecimento no País. A reunião foi mediada pela gerente da Assessoria das Câmaras Brasileiras do Comércio e Serviços da CNC, Andréa Marins, que também apresentou a situação das proposições realizadas e acompanhamento pela Assessoria das Câmaras.
Evolução do atacarejo acompanha o comportamento do consumidor
O destaque da reunião foi a participação especial de Belmiro Gomes, CEO do Assaí Atacadista, que compartilhou sua experiência de mais de 30 anos no setor e traçou um panorama da evolução do modelo atacarejo no Brasil.
“Estamos acompanhando as mudanças do próprio consumidor. A expansão do modelo atacarejo reflete a realidade brasileira, marcada por desigualdades sociais, custo logístico elevado e um mercado altamente fragmentado”, avaliou o executivo.
O atacarejo, que vende tanto para consumidores finais quanto comerciantes e empresários, tem se fortalecido no País e hoje é o destino de compras de alimentos de aproximadamente 50% da população brasileira. O Assaí se destaca nesse cenário por ter sido a empresa que liderou a inovação no setor, seja criando lojas melhores, aprimorando o mix de produtos, implantando serviços ou inaugurando unidades cada vez mais próximas dos centros urbanos, facilitando o acesso pela população. Tudo isso, como explica Belmiro, sem prejudicar a proposta de valor original do Assaí, que é oferecer preço baixo. Esse histórico levou a empresa a ser varejista mais frequentada no Brasil, segundo a Nielsen, um em cada quatro lares compram na rede.
Belmiro conta que, nesse movimento de expansão e ganho de mercado, foi necessária a adaptação de produtos, ganhando destaque o mix oferecido às classes AB (que passaram a comprar no Assaí, nos últimos anos); além da implantação de serviços. O executivo lembra que as lojas começaram a ter açougues em 2021 (algo incomum nos atacarejos) – hoje, a rede também trabalha com empório de frios e padarias, além de caixas de autoatendimento.
Desafios do emprego e o papel da mulher no comércio
A reunião também teve a participação do advogado Roberto Lopes, da Diretoria Jurídica e Sindical (DJS) da CNC, que apresentou um panorama jurídico sobre o trabalho feminino e a aplicabilidade do artigo 386 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Lopes apontou que a “pejotização”, quando trabalhadores atuam como pessoas jurídicas, ganhou força por oferecer aos profissionais a possibilidade de ganhos mais elevados, mais flexibilidade e menos encargos para as empresas. Segundo ele, “o regime CLT é pesado, com alto custo para quem paga e pouco retorno para quem recebe, especialmente no comércio varejista, que opera em horários ampliados e fins de semana”.
O advogado também ressaltou que essa tendência é impulsionada por mudanças geracionais e pela facilidade de adesão a plataformas como iFood, Uber e Mercado Livre. “Muitos preferem trabalhar por conta própria porque o regime formal não oferece a flexibilidade desejada e impõe encargos que aumentam a distância entre o custo do empregador e o salário líquido do trabalhador”, disse.
Além disso, Lopes comentou o impasse jurídico entre o Tribunal Superior do Trabalho (TST) e o Supremo Tribunal Federal (STF) sobre temas como o trabalho em feriados e a regulamentação de novas formas de contratação. Ele explicou que o TST é rigoroso na aplicação da Lei nº 10.101, que trata do trabalho em feriados, mas resiste a mudanças em outros pontos, como a questão da jornada diferenciada para mulheres. “Estamos em um limbo, aguardando decisões do STF ou do TST que tragam segurança jurídica”, enfatizou.
Durante o encontro, o coordenador Álvaro Furtado também fez um alerta para a informalidade crescente no comércio. “Estamos vendo um processo de deterioração do modelo tradicional de emprego, com a informalidade representando cerca de 40% do consumo no Brasil. Precisamos encontrar soluções conjuntas para enfrentar esse desafio e garantir o futuro do setor”, explicou.
Perspectivas para o comércio de alimentos no segundo semestre
O economista da Diretoria de Economia e Inovação (Dein) da CNC Guilherme Cardoso apresentou as perspectivas para o setor de alimentos no segundo semestre do ano, destacando a influência do cenário macroeconômico sobre o comércio.
Os dados apresentados indicam que o estoque de trabalhadores no comércio varejista de produtos alimentícios, bebidas e fumo, assim como nos restaurantes e serviços de alimentação, apresentou variação positiva de 3,7% em 2024, totalizando mais de 2,1 milhões de vínculos ativos. Os estabelecimentos desses setores também registraram crescimento: 4,0% no total, com destaque para o comércio varejista (3,5%) e restaurantes (4,3%).
Na evolução do comércio, o volume de vendas de hipermercados, supermercados e do setor de produtos alimentícios, bebidas e fumo mostra o histórico de crescimento contínuo, com variações acumuladas em 12 meses que oscilam entre 2,8% e 5% ao longo de 2024 e início de 2025. Em termos nominais, a receita desses segmentos apresentou variações acumuladas superiores a 7% em alguns recortes.
Quanto aos preços, a inflação acumulada em 12 meses para alimentação no domicílio e fora do domicílio apresentou oscilações modestas no período, variando entre 0,4% e 1,20% ao mês, no primeiro grupo, e entre 0,25% e 0,5% no segundo. Para o economista, isso mostra que o comércio varejista de gêneros alimentícios é mais vulnerável a choques de oferta, enquanto os serviços de bares e restaurantes apresentam maior estabilidade por causa dos chamados “custos de menu”.
Segundo Cardoso, a economia brasileira deverá desacelerar a partir do segundo trimestre de 2025, reflexo do atual nível de juros e da recessão global provocada pela “guerra tarifária” desordenada de Donald Trump no início de abril.
Sobre o primeiro aspecto, os juros, ele argumenta que, embora tenha freado a indústria e o crédito, ainda não conseguiu conter totalmente o consumo por conta do baixo nível de desemprego.
Além disso, o crescimento dos investimentos contribuiu para manter o dinamismo econômico em alguns setores. Em relação à guerra tarifária, seu prognóstico considera o ambiente de incerteza global e o consequente adiamento de decisões de investimento, tendo em vista as distorções das cadeias globais de valor e o provável encarecimento dos insumos produtivos no curto e médio prazos.
Com esse panorama, Cardoso ressaltou que, apesar da esperada desaceleração econômica, o comércio de alimentos deve manter ritmo positivo de crescimento no segundo semestre, amparado pelo consumo resiliente e pelo cenário de pleno emprego.
De forma otimista, ele apontou as brechas do mercado internacional diante da guerra tarifária entre EUA e China. Segundo o economista, o comércio global terá de se reequilibrar com novos protagonistas, uma oportunidade para o comércio brasileiro arriscar novos mercados diante dos desafios macroeconômicos internos.
Acompanhamento legislativo
Ainda na reunião, o assessor da Diretoria de Relações Institucionais (DRI) da CNC Reiner Leite apresentou uma atualização sobre o andamento de projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional que podem impactar o setor.
Entre os destaques, está o PL 9.345/2017, de autoria do deputado Jorge Côrte Real (PTB-PE), que propõe a alteração do artigo 98 da Lei Eleitoral para garantir paridade entre os dias convocados para trabalho nas eleições e os dias de folga remunerada para todos os trabalhadores, e não apenas para os de micro e pequenas empresas (MPEs). O projeto, apensado ao PL 1.362/2015, está atualmente aguardando a designação de relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC).
Outra proposta relevante é o PL 5.814/2019, apensado ao PL 3.361/2012, do deputado Glaustin Fokus (PSC-GO), que busca modificar a Lei nº 12.023/2009. O texto pretende permitir que as atividades de movimentação de mercadorias sejam realizadas por trabalhadores sem vínculo empregatício ou em regime de trabalho avulso nas empresas contratantes. Recentemente, o deputado Daniel Almeida (PCdoB-BA) deixou de ser membro da comissão responsável pela análise, e o presidente da Comissão de Trabalho, deputado Leo Prates (PDT-BA), assumiu a relatoria.
Leite também salientou o acompanhamento de outras propostas de interesse da CNC e do comércio em geral, como a PEC 8/2021, que trata da redução da jornada de trabalho para quatro dias por semana; o PL 569/2020, que propõe ampliar a licença-paternidade para 60 dias; e o PL 60/2023, que busca priorizar a tramitação de processos judiciais relacionados a acidentes de trabalho.
Confira as fotos da reunião: