A depender de quanto tempo vai durar o conflito no Leste Europeu, a inflação seguirá corroendo a renda dos brasileiros. Todavia, a guerra, que envolve duas grandes potências, trouxe oportunidades raras ao Brasil no ramo do agronegócio, as quais precisam ser aproveitadas. Esta foi a avaliação dos especialistas e autoridades que participaram, nesta quinta-feira, dia 31 de março, do debate on-line E Agora, Brasil?, o primeiro da série em 2022.
O evento, realizado pelos jornais O Globo e Valor Econômico, com o patrocínio da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), discutiu os impactos da guerra da Ucrânia na economia brasileira, sob os aspectos econômicos e políticos.
Debatedores
Participaram da discussão o ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente e conselheiro emérito do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), Rubens Ricupero; o senador Jean Paul Prates (PT-RN); o diretor de mercados da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Luís Rua; o professor da FGV Direito Rio e do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Armando Castelar; e o vice-presidente de Investimentos e Controladoria da M. Dias Branco, Gustavo Theodozio.
O encontro virtual foi mediado pela editora de economia de O Globo, Luciana Rodrigues, e pelo chefe da redação da sucursal de Brasília do Valor Econômico, Fernando Exman.
Rubens Ricupero iniciou o debate afirmando que o tamanho do impacto da guerra na economia brasileira vai depender da duração do conflito, uma vez que não há sinais claros de cessar-fogo. O pior cenário, disse ele, é de uma guerra que dure mais de três meses, envolvendo, inclusive, outros países aliados à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). “Este momento me lembra a Guerra Fria, em 1962. Em meio à ameaça de guerra atômica, que nunca aconteceu, diversos países levaram muito tempo para recuperar as suas economias”, afirmou.
O professor Armando Castelar destacou que o maior impacto da guerra nos brasileiros é, sobretudo, a inflação, resultante das variações na cotação do petróleo e de outras commodities, como trigo e milho. Para ele, esses impactos, que são globais, farão a economia internacional buscar alternativas à economia, em contraponto ao atual sistema de pagamentos. O mercado de criptoativos, disse ele, pode ser fortalecido. “A guerra trouxe desafios, principalmente pelas sanções econômicas, mais do que pelo conflito bélico. Em minha análise, a guerra vai criar uma nova ordem mundial”, avaliou.
Mercado favorável
Já Luís Rua analisou que a guerra, envolvendo dois grandes produtores de commodities, deixa o Brasil em situação favorável no mercado internacional. Diante das sanções econômicas impostas pelos Estados Unidos e países da Otan, o Brasil poderá vender seus produtos a países que tiveram negócios com a Rússia interrompidos. “Se, por um lado, vemos complicações, sobretudo pela suspensão das linhas marítimas e dos sistemas de pagamento, por outro lado, o Brasil pode ser chamado a contribuir para países onde já havia perdido competitividade”, afirmou.
Para o senador Jean Prates, a guerra na Ucrânia evidencia a importância da percepção sobre a soberania da economia. Segundo ele, este é o momento de repensar a posição estratégica do Brasil no cenário geopolítico, analisando a autonomia do País sobre recursos e insumos. “Como é que o Brasil vai se comportar diante disso? Somos um país privilegiado, com poucos impactos da guerra, mas é preciso pensar no futuro, sobre os nossos recursos naturais, principalmente a água, as florestas e o subsolo”, destacou.
Por fim, Gustavo Theodozio ressaltou que a economia segue em mar revolto não apenas por causa da guerra, mas pelos desafios que já existiam, como a pandemia e as eleições. Assim como Armando Castelar, ele considera a inflação a maior inimiga da economia, porque corrói a renda das famílias brasileiras e desestimula a geração de empregos. Para ele, o impacto poderá ser ainda maior no futuro, já que muitas empresas ainda não repassaram, em sua totalidade, o reajuste de preços aos consumidores. “Esse repasse de preços acaba tendo que acontecer, e temos que usar outras alavancas para isso ser feito”, ressaltou.