Particularidades do trabalho em plataformas digitais e teletrabalho são debatidos na CBCGAL

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A regulamentação do trabalho em plataformas digitais e os aspectos legais do teletrabalho e home office foram destaques na reunião da Câmara Brasileira do Comércio de Gêneros Alimentícios (CBCGAL), que aconteceu de forma presencial na sede da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, no Rio de Janeiro, no dia 21 de setembro.

A ex-desembargadora do Trabalho e presidente do Conselho Superior de Relações do Trabalho da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Maria Cristina Mattioli, participou da reunião de forma remota e falou sobre os desafios e os anseios gerados pelas atividades ocupacionais intermediadas por plataformas digitais. Para a especialista, o aspecto binário desta forma de trabalho traz preocupação: ou o trabalhador preenche os requisitos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para ser considerado empregado ou, caso contrário, é considerado trabalhador autônomo.

Ela argumenta que os avanços tecnológicos e a pandemia da covid-19 alimentaram o debate em torno do tema, que também envolve discussões sindicais e tributárias. “Estima-se que no Brasil há cerca de 1 milhão e 400 mil motoristas de aplicativo que atendem 60 milhões de usuários, constituindo uma área trabalhista muito abrangente que tange à informalidade. No Reino Unido, por exemplo, criou-se uma terceira categoria que figura entre empregado e autônomo, envolvendo condições de trabalho, saúde e segurança, com um regime jurídico específico que pode ser exemplo para nós”, explicou Maria Cristina.

Para contribuir para o debate público, a ex-desembargadora coordenou um grupo de trabalho sobre o tema, que desenvolveu uma minuta Anteprojeto de Lei, já encaminhada ao governo federal, propondo soluções para a relação jurídica entre as intermediadoras de plataformas e aplicativos digitais e os trabalhadores que as utilizam para oferecer seus serviços.

“Nosso projeto define as plataformas digitais como intermediadoras e os trabalhadores como parceiros, para especificar os atores sociais. A utilização da plataforma se daria por meio de um cadastro, por parte do parceiro, como Microempreendedor Individual (MEI) ou como um contribuinte individual do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), cabendo a ele escolher a modalidade, e sem exclusividade com qualquer plataforma”, afirmou Maria Cristina.

Segundo a especialista, a discussão deve ser analisada com maior profundidade após o ano eleitoral. “O esqueleto da nossa proposta traz diretrizes gerais para a regulamentação da atividade. Obviamente, o tema é extremamente amplo e cabe ao governo discutir, até por envolver questões de arrecadação, entraves tributários e jurídicos”, finalizou.

O coordenador da CBCGAL, Álvaro Furtado, ressaltou que, além das questões contratuais e trabalhistas, também deve haver preocupação com a questão social. “São milhões de trabalhadores circulando pelas ruas de forma autônoma, sem proteção de qualquer guarda-chuva social e trabalhista. O comércio é feito de pessoas para pessoas, e esses trabalhadores que estão nos ajudando precisam contar com o nosso espírito normativo”, avaliou.

Teletrabalho e home office

Convidado a falar sobre os aspectos legais do teletrabalho e home office, o advogado Eduardo Pastore destacou a “revolução silenciosa”, ocorrida durante a pandemia de covid-19, que causou impactos profundos no universo trabalhista. “O trabalho saiu da empresa e entrou nas nossas casas, em ambientes que não foram feitos com essa finalidade. Naturalmente, surgiram questionamentos que obrigaram as empresas a fazer adaptações em tempo recorde, com o contrato de trabalho presencial e suas regras permanecendo sem alteração naquele momento”, disse.

Com base no acúmulo de consequências jurídicas, trabalhistas e até mesmo de ordem previdenciária, explicou Pastore, foi sancionada a Lei nº 14.442/22, que estabeleceu a segunda regulamentação do teletrabalho. “A referida lei trouxe mais segurança jurídica ao excluir, ao retirar o conceito anterior de que o teletrabalho era aquele realizado preponderantemente fora da empresa, fazendo com que o Judiciário devesse apurar o que é preponderante ou não. Assim, ficou definido que teletrabalho é aquele praticado fora da empresa.”

Por outro lado, segundo o advogado, a legislação aprovada em 2022 não foi positiva ao cobrar da empresa o controle da jornada de trabalho a distância. “As atividades realizadas com metas por produção ou tarefa seguem sem a necessidade de controle de jornada. Em todos os outros casos, a Lei nº 14.422/22 exige que a empresa faça esse controle. Entendo que não foi uma boa medida, pois a natureza jurídica do teletrabalho é dar autonomia ao empregado para que ele organize sua jornada da melhor maneira, retirando essa obrigação das empresas, que correm risco de pagar excesso de horas extras caso a fiscalização não seja bem executada”, explicou.

Pastore também enfatizou a necessidade de atenção a questões de saúde do empregado, tanto para modalidades de teletrabalho e trabalho híbrido, que possuem as mesmas regras sob o ponto de vista da segurança do trabalho. “A empresa deve criar mecanismos para saber como estão as questões de saúde do trabalhador, principalmente, no que diz respeito à ergonomia, o que pode ser feito remotamente pela macroergonomia. Todas as Normas Regulamentadoras relativas ao trabalho presencial seguem valendo para a atividade remota.”

Por fim, o advogado reforçou que o trabalho remoto é uma realidade que veio para ficar e é preciso trabalhar com segurança jurídica para evitar conflitos trabalhistas. “Nós temos na convenção coletiva de trabalho instrumentos para sanar as lacunas trabalhistas que existem no universo do trabalho remoto, que está bem regulamentado. Resta aplicar o passo a passo para que as empresas apliquem o modelo com segurança jurídica, com atenção ao aspecto mais importante do meio trabalhista, que é a gestão”, concluiu Pastore.

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