Fernanda Castello Branco *
Mais do que despertar o interesse por um destino, os influenciadores digitais fornecem informações que impactam o planejamento de viagem, as decisões de compra e o comportamento de consumo. Para melhor aproveitar as oportunidades de marketing nesse contexto, as relações entre marcas e influenciadores têm que ser orientadas pelo profissionalismo.
Os brasileiros realizaram, no último ano, mais de um bilhão de pesquisas relacionadas a viagens no Google. O volume de pesquisas tem aumentado, movido principalmente pelas buscas por informação, que crescem cinco vezes mais que as buscas por intenção de compra, segundo dados apresentados pela Google na World Travel Market (WTM) 2019.
Apesar do aumento no volume de pesquisas, o percentual da população que é viajante (35%) e o percentual de viajantes aéreos (13%) têm se mantido estável nos últimos três anos – ou seja, temos as mesmas pessoas viajando, um público cada vez mais experiente e exigente no processo de compra da categoria de viagem.
Diante desse tipo de demanda, grande parte das pesquisas não é atendida por empresas ou e-commerces, mas por sites e plataformas de conteúdo, como blogs e vídeos. Os canais on-line são hoje a principal fonte de informação para 86% dos viajantes brasileiros, e os inf luenciadores digitais assumem um papel relevante nesse contexto.
Mais do que despertar o interesse por um destino, os influenciadores digitais fornecem informações que impactam o planejamento de viagem, as decisões de compra e o comportamento de consumo.
O fenômeno do influencer marketing tem uma explicação simples: as marcas querem estar onde o público está. E os viajantes brasileiros estão on-line.
Desde o Orkut, o Brasil se consolida entre os países que mais usam as redes sociais, sempre no topo do ranking das maiores plataformas. Somos a segunda maior população do mundo no Instagram e no YouTube, e a terceira maior no Facebook e no Twitter. Nós passamos quase nove horas on-line todos os dias, 25% mais tempo conectados que os americanos. Quando todo o nosso comportamento social, de negócios e de entretenimento está on-line, as nossas escolhas de viagem inevitavelmente também passarão por aí.
Nossos hábitos na internet nos fizeram também pioneiros: em 2012, já havia sido criada a Associação Brasileira de Blogs de Viagem (ABBV), primeira entidade de classe da categoria, estabelecida antes mesmo da Professional Travel Blogs Association (PTBA), baseada nos Estados Unidos. Isso mostra como o mercado de criadores de conteúdo de turismo se estrutura profissionalmente há bastante tempo no Brasil.
Ainda que o interesse em ações de marketing com influenciadores digitais tenha tido um “boom” na virada de 2017, o cenário já vem se desenhando há mais de uma década e não dá sinais de ser uma febre passageira. Pelo contrário: vem seguindo um processo de amadurecimento cada vez mais acelerado e bastante articulado, com coletivos e associações; softwares especificamente desenvolvidos para a gestão de campanhas; e agências e eventos que estimulam o estabelecimento de boas práticas.
Quando observamos que no YouTube ou no Spotify, por exemplo, o fim da publicidade é o principal argumento de venda para conquistar assinantes, percebemos que a oferta de conteúdo é o caminho para a atenção das pessoas. Embora a publicidade tradicional ainda tenha um peso inegável, mesmo quem não usa ad blockers na internet já se habituou a ignorar os espaços publicitários – efeito que ficou conhecido como banner blindness, ou cegueira de faixa, quando se ignora propagandas, anúncios ou qualquer outro elemento visual comercial.
Em vez de interromper o consumo de conteúdo para exibir campanhas, as marcas que trabalham em parceria com influenciadores possibilitam a produção de conteúdo informativo ou de entretenimento, capaz de despertar o interesse genuíno de seu público-alvo e
motivar diálogos relevantes dentro de uma comunidade on-line.
Mais que uma mídia de distribuição (publicação de um post em si), o marketing com influenciadores é sobre produção criativa e transferência de capital social. E este entendimento é fundamental para deixar para trás alguns conceitos equivocados sobre influenciadores, agora que o mercado está encontrando formas mais interessantes, eficientes e éticas de atuar.
O amadurecimento, tanto dos profissionais de marketing quanto dos próprios influenciadores digitais, tem tornado mais claro que o grande valor das colaborações entre marcas e criadores de conteúdo está na construção da conexão genuína com o público. Não se trata do número de seguidores, como se fazia acreditar cinco anos atrás, mas do potencial de fazer circular uma mensagem e pautar conversas dentro de uma comunidade.
Os influenciadores digitais fazem curadoria, geram diálogo e oferecem conteúdo relevante em um ambiente on-line onde o consumo de informação é totalmente não linear e há um alto nível de ruído. E isso só é possível para aqueles que investiram tempo, esforço e recursos para construir uma relação autêntica e de confiança com o público.
Segundo estimativas da Google, 38% dos viajantes começam seu planejamento de viagens pesquisando no YouTube, e 53%, pesquisando no buscador. Em 2018, as visualizações de vídeo sobre viagem no YouTube cresceram 354%. Estar presente neste tipo de conteúdo e fazer cocriação com influenciadores digitais pode contribuir para a marca entrar no radar dos consumidores logo no início de suas decisões de compra.
Trabalhar com influenciadores também é interessante para que a marca possa contar com conteúdo nativo e original em cada plataforma, entrando de forma autêntica na conversa que acontece ali. Isso é um ponto-chave para a otimização dos esforços de marketing, porque pode ser muito custoso para as empresas manter presença em tantas redes sociais, quando cada uma exige uma linguagem específica e tem um comportamento de público específico.
Espera-se hoje que o influenciador esteja sempre disponível para interações; crie conteúdos cada vez melhores com recursos cada vez mais sofisticados; assuma um compromisso com as mensagens transmitidas e os valores sociais; aborde as marcas parceiras com total propriedade; e ainda traga resultados de marketing. Esse grau de aprofundamento só será possível quando todos os lados do mercado entenderem que essas questões são responsabilidades compartilhadas, e que é imprescindível conduzir negociações justas e pautadas pelo profissionalismo.
Diante do público, o que aparece é entretenimento e informação. Entre as empresas e os influenciadores, o que está na mesa é a elaboração de uma estratégia de conteúdo que possa ter impacto na percepção da marca, nas decisões de compra e no comportamento do consumidor. Esse processo tem que ser conduzido de forma correta, com contrapartidas condizentes com a dedicação necessária para que o trabalho seja bem feito.
Nas mídias digitais, assim como no Turismo, quem está a passeio é o público. Nós estamos a trabalho. A criação de conteúdos autênticos, com transparência e relevância, é do interesse de todo o mercado.
*Fernanda Castello Branco, diretora de comunicação da Associação Brasileira de Blogs de Viagem (ABBV) e autora do blog Vontade de Viajar.