* por Carlos Thadeu de Freitas Gomes, Chefe da Divisão Econômica da CNC
O Comitê de Política Monetária (COPOM), elevou a Selic em 1 ponto percentual na semana passada, em que os juros básicos chegaram a 11,75% ao ano. Embora o aumento fosse aguardado pelo mercado, o tom da nota divulgada pelo Banco Central (Bacen), o condutor da politica monetária, confundiu mais do que orientou. Segundo o texto, o cenário alternativo com que a autoridade monetária trabalha no momento tem maior probabilidade de acontecer do que o próprio cenário básico.
O cenário alternativo que passou a ser visto como o principal, nas palavras do Bacen considera a curva futura de mercado para o preço do petróleo até o fim de 2022, em US$ 100 o barril ao final do ano, passando a aumentar 2% ao ano a partir de janeiro de 2023. O Copom espera que a inflação alcance 6,3% em 2022 e 3,1% em 2023, nesse cenário alternativo-básico, sendo suficiente a Selic encerrar o ciclo de alta em 12,75%.
Talvez esse seja o cenário que o Bacen idealiza, mas tentar enxergar muito a frente com os acontecimentos recentes e toda incerteza gerada por eles é como jogar o dado para cima. É temerário sinalizar os próximos passos da politica monetária tendo como pressuposto os preços voláteis do barril do petróleo no mundo. Por mais que a guerra na Ucrânia termine nos próximos dias, é esperada instabilidade maior do que a normal nos preços de commodities em geral, como o petróleo.
O cenário alternativo-ideal do Copom também tem chances maiores de ser frustrado pelo maior grau de aperto monetário nos Estados Unidos. Semana passada, o Fed aumentou em 0,25 pontos os juros básicos na economia americana, na esteira da escalada inflacionária no país. Estatisticamente cresceu a possibilidade de ocorrer pelo menos mais seis aumentos consecutivos da mesma magnitude, o que vai repercutir nos fluxos financeiros internacionais e na cotação do dólar em relação a outras moedas. Por ora, o real está bem comportado em dólares, mas tende a desvalorizar, o que piora ainda mais a inflação doméstica.
Com o novo choque derivado do conflito no Leste Europeu, já começaram as especulações sobre o cumprimento meta de inflação neste e próximo ano, o tamanho dos desvios da meta e a desancoragem das expectativas. Alguns analistas consideram que a inflação mais alta este ano pode se transmitir para o ano que vem via inércia, e aumentar a persistência inflacionária.
Algumas correntes teóricas afirmam que na ocorrência de choques de grandes dimensões, como o caso do aumento do petróleo, é necessário ajustar os preços relativos e enfrentar os efeitos secundários. Nesse caso, a função estrita da política monetária é evitar que as cadeias de preços sejam afetadas de maneira disseminada, impedindo que os preços se ajustem na mesma proporção do choque inicial.
Mas como estamos tratando de mais um choque de oferta, o qual a política monetária tem poucas chances de combater, a Selic mantida em dois dígitos por mais tempo pode trazer mais prejuízos ao crescimento da economia em 2022 e 2023 do que sucesso em termos de ancoragem de expectativas.
A sabedoria antiga diz que diante de grandes incertezas, a melhor alternativa é ser gradual com a política monetária.
Estamos vivendo uma sequência de choques nos preços, primeiro a Covid-19 alterou temporariamente o perfil de consumo, modificando a dinâmica dos preços. Em reposta à crise sanitária, as economias adotaram ações fiscais e monetárias robustas, que também provocaram altas nos preços de commodities alimentícias e energéticas. O próprio barril do petróleo saltou de aproximadamente US$ 50 para mais de US$ 80 no ano passado.
No Brasil, a crise hídrica também entre final de 2020 e 2021 encareceu a produção de energia elétrica que aumentou a conta de luz em mais de 20% aos consumidores finais. Foram acionadas as usinas térmicas, que produzem energia muito mais cara e com alto impacto ambiental.
E para piorar a dinâmica da inflação global, a Rússia iniciou um terceiro choque com a invasão à Ucrânia, afetando os preços do petróleo, do gás natural, de cereais como trigo e milho, e outros tantos preços que pelo mecanismo de disseminação estão mais difícies de prever.
Fora as condições do setor real, a alta maior da Selic vai contribuir ainda mais para o acirramento da dívida pública. Sendo que o Bacen já tinha sinalizado que a Selic ia desacelerar a partir do segundo semestre, mais um ponto de contradição.
No passado, aumentos abruptos no preço do petróleo eram tratados em uma conta petróleo específica, importante para enfrentar a volatilidade que impactava os preços dos combustíveis e os orçamentos dos consumidores. O erro foi ter sido financiada por emissão de moeda, não por medidas fiscais que tinham de ser implementadas com cortes de gastos.
Com a expectativa do saldo primário esse ano devido ao aumento da arrecadação e dos royalties do petróleo, uma nova conta petróleo temporária poderia ser repensada com esses recursos, a fim de suavizar os movimentos de preços internacionais mais diretamente no diesel e no gás de cozinha, por exemplo.
A política fiscal hoje está olhando para a atividade, mas o Bacen confunde ao sinalizar mais aumentos da Selic em contexto incerto. O Ministério da Economia está sabendo conciliar equilíbrio fiscal com politica de expansão de gastos, mas a sinalização da politica monetária em sentido oposto confunde e é arriscada.