Mais dívida com menos inadimplência

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* por Carlos Thadeu de Freitas Gomes, Chefe da Divisão Econômica da CNC

 

A foto do endividamento dos consumidores em 2021 mostra que o número médio de famílias com dívidas em pelo menos uma das principais modalidades (cartão de crédito, cheque especial, cheque pré-datado, crédito consignado, crédito pessoal, carnês, financiamento de carro e financiamento de casa) chegou a 70,9% do total de famílias brasileiras, recordes em termos do percentual e da taxa de incremento anual (4,4 pontos percentuais em relação a 2020).

Essa proporção não só é a máxima histórica em 11 anos, mas o filme de 2021 mostra um dezembro com mais de 76% de endividados, com alta nas duas faixas de renda consideradas na Pesquisa de Endividamento e Inadimplência (Peic), da CNC. O percentual de famílias com dívidas apresentou tendência de alta ao longo de todo o ano, pronunciadamente a partir de maio, passada a segunda onda da pandemia de Covid-19.

A boa notícia é que mesmo altamente endividados, os consumidores fizeram grande esforço para quitar os compromissos financeiros em dia (contas de consumo e dívidas com bancos e outras instituições). Os dois indicadores de inadimplência tiveram queda na média de 2021, comparativamente a 2020, e a busca por renegociar ou repactuar os compromissos foi importante para esse resultado favorável da inadimplência.

O ano passado foi marcado pelo processo de vacinação contra a Covid-19, progredindo especialmente a partir do segundo semestre, em que foi possível a maior flexibilização das atividades econômicas, com aumento da circulação de pessoas gradativamente, ao longo do ano. Embora ainda com incertezas sobre a crise sanitária, as pessoas puderam retomar o consumo de bens e de serviços nos estabelecimentos físicos, voltaram a frequentar shoppings, centros de consumo e lazer, salões de beleza, restaurantes e bares, além das viagens, compras de bilhetes aéreos, reserva de hospedagens, dentre outros.

Fatores diferentes estão por trás da alta no endividamento nos dois grupos de renda, no ano em que a economia demonstrou alguma capacidade de recuperação. A inflação elevada e a retomada do consumo pelas famílias mais ricas responderam pela maior proporção de endividados, mesmo no contexto de aperto monetário.

Para as famílias com até 10 salários mínimos de rendimentos mensais, o rápido e expressivo avanço nos preços das principais classes de despesas foi o grande motivador do endividamento, que chegou a 72,3% das familias, em média.

Desde março de 2021, o Banco Central (Bacen) vem promovendo o ciclo de alta da Selic, na tentativa de ancorar melhor as expectativas inflacionárias. Mas o que se viu durante todo o ano foi o avanço contínuo, disseminado e persistente dos preços em geral, notadamente pressionando os gastos com habitação, alimentação, transportes e saúde.

Isso fez imperativa a necessidade do crédito para as famílias mais pobres, que passaram a conviver com orçamentos mais acirrados, e tiveram no cartão de crédito, cheque especial e carnês de lojas a saída para manutenção do consumo. Essas modalidades foram as que mais se destacaram na proporção de endividados nessa faixa de renda.

Com 30,8% de renda comprometida com o pagamento de dívidas, as famílias de renda média e baixa naturalmente sofreram mais com a inflação alta. Em média, os consumidores brasileiros comprometeram 30,2% de seus rendimentos no ano passado, acima dos 30% apurados em 2020.

Para as famílias com mais de 10 salários, a demanda represada, com destaque aos serviços, levou ao maior endividamento médio em 2021 (66%). Essas famílias voltaram a viajar, frequentar salões de beleza, restaurantes, bares, e pagaram com cartão de crédito, modalidade que mais cresceu também para esse grupo. Para esses consumidores, a taxa de crescimento de endividados aumentou (5,8 pontos percentuais) mais do que aquela observada no grupo de renda mais baixa, vale notar.

A retomada mais ampla do consumo de bens e de serviços por esse grupo durante 2021, também foi acompanhada pela maior procura por financiamentos de casa e carro, em que puderam aproveitar o contexto de juros ainda relativamente favoráveis para o crédito de longo prazo.

Ainda que em condições financeiras mais acirradas (orçamento doméstico comprimido, inflação alta, fragilidade no mercado de trabalho sem ganhos reais nos rendimentos), os consumidores conseguiram quitar os compromissos financeiros e evitaram incremento da inadimplência até o final do terceiro trimestre.

A renegociação de dívidas e a contratação de prazos mais longos, assim como o maior controle dos gastos, forneceram às famílias condições de ampliarem o endividamento, porém mantendo a capacidade de pagamento (tanto das dívidas, quanto das contas de consumo).

No último trimestre do ano, entretanto, o aumento do indicador de contas em atraso passou a indicar tendência de alta para o início de 2022. Natural, diante de tantos desafios macroeconômicos somados aos vencimentos de despesas típicas do primeiro trimestre.

A inflação de 2022 será mais contida, embora ainda elevada e acima do limite superior da meta do Banco Central (Bacen). Choques antigos e novos vão puxar os preços para cima este ano, e os juros altos vão desacelerar o crédito.

Esperamos que o endividamento siga em proporções elevadas, mas certamente não vai crescer de forma tão expressiva quanto em 2021. Na foto de 2022, a inadimplência mais alta no início do ano não deve se mostrar, entretanto, um problema para a economia.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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