* por Carlos Thadeu de Freitas Gomes, Chefe da Divisão Econômica da CNC
A Pec dos Precatórios foi finalmente aprovada no Congresso, após as intensas ocorridas no Senado, na semana passada. Pode-se dizer que a versão aprovada teve como foco como necessidade das clientes mais carentes, uma vez que se concordou de o espaço aberto com o não pagamento dos precatórios de alto valor nos próximos anos ser integralmente destinado ao custeio do Auxílio Brasil.
Já discutimos nesse espaço que a postergação dos pagamentos de dívidas transitadas em julgado não deve se configurar em calote, é um mal necessário. Não há que se falar em default, mas em alongamento dessas dívidas de valor mais elevado. A renegociação ou alongamento das dívidas, por sinal, é uma prática que tem sido bastante relevante agora, justamente para evitar calotes ou a inadimplência, tanto de pessoas físicas quanto das empresas.
Embora o mercado não entenda que a aprovação dessa Pec é uma decisão política, alongar compromissos financeiros adquiridos tem sido a saída para a inadimplência no país estar sob controle até o momento. Assim como famílias e empresas estão precisando de fôlego financeiro e prazo para seguirem pagando as contas e dívidas em dia, o Governo está na mesma situação, sem opção. Com despesas obrigatórias cobrindo quase 93% do orçamento, não existia alternativa crível para os precatórios sem alongá-los com ajuste no teto dos gastos.
A nova renda disponível vai turbinar o valor médio pago no Auxílio Brasil, e garantir suporte aos mais vulneráveis. Esses recursos ajudarão as famílias de baixa e baixíssima renda no pagamento de contas, dívidas e no consumo, especialmente de itens essenciais.
O resultado do PIB divulgado na semana passada mostrou a segunda retração seguida do comércio na comparação entre os últimos trimestres. Isso quer dizer que, na margem, o comércio já sofre queda na atividade. Os dois últimos resultados da PMC, do IBGE, mostram a mesma coisa, as quedas no volume de vendas entre agosto e setembro levaram o nível de atividade do varejo novamente para baixo do patamar apurado entes da pandemia.
O comércio foi o primeiro setor a sentir a crise sanitária, e aparentemente está sendo o primeiro grande setor a sofrer com os desafios econômicos conjunturais, impostos especialmente aos consumidores. A inflação corrente acima de 10% não só reduz o poder de compra da renda, como tem levado ao maior endividamento.
Mas o avanço na contratação de dívidas não se reflete nas vendas globais, ao contrário, o crédito avança, mas as vendas do varejo como um todo estão caindo. Em comparação ao bimestre anterior à pandemia, até as vendas do segmento de hiper e supermercados está negativa, o que mostra o efeito perverso da inflação nos orçamentos das famílias de renda média e baixa no país.
Com menos dinheiro e mais contas e dívidas para pagar, as famílias estão revendo e reduzindo seus gastos, principalmente dos itens não essenciais, enxugando os orçamentos domésticos, mas precisando do crédito para dar um fôlego à renda. O endividamento acelerou rapidamente na modalidade do cartão de crédito nos últimos meses, meio de pagamento importantíssimo, associado ao consumo de curto ou curtíssimo prazo.
O percentual de famílias endividadas já chega a quase 76% dos lares brasileiros, mesmo com o aperto dos juros. As taxas de juros médias aos consumidores nas linhas de crédito com recursos livres alcançaram 43,3% em outubro, de acordo com os dados do Banco central (Bacen). Ou seja, nem o custo do crédito mais elevado tem sido capaz de reduzir as necessidades e a própria demanda por recursos do sistema financeiros, uma vez que as concessões e o saldo das operações com consumidores, ambas em termos reais, seguem crescentes.
Esses e outros desafios têm sido precificados nas expectativas para a atividade econômica nos meses à frente, e o dado negativo do PIB no terceiro trimestre fortaleceu ainda mais a necessidade de apoiar a economia, em especial a renda dos mais pobres.
O Governo está estimando que serão integralmente pagos os precatórios com valor até R$ 600 mil. Os detentores de precatórios de alto valor têm maior propensão a poupar os recursos do que revertê-los para gastos na economia. Ao possibilitar a transferência de renda pelo Auxílio Brasil, a maior parte dos recursos que poderiam se destinar a investimentos especulativos, serão gastos no consumo de produtos e pagamento de dívidas e despesas, ajudando, inclusive, um cenário melhor para a inadimplência à frente.
O alongamento desses precatórios também desanuviou o ambiente de dúvidas sobre os pagamentos, dando alguma previsibilidade até 2026, ao prefixar as dívidas elegíveis.
A Pec adicionalmente limita a farra dos precatórios. Quando os juros estavam baixos, há pouco mais de um ano atrás, como especulações com esses títulos geravam altas rentabilidades aos intermediários nas operações de compra e vendas dos direitos creditórios. Já abordamos esse assunto nessa coluna.
A troca de vencimentos ou postergação dos pagamentos está disponível nos retornos desses intermediários que apostam na comercialização dos precatórios como forma menos tradicional de diversificar os portifólios. Não é síndrome de Robin Hood, mas neste caso, os menores foram poupados e os maiores pagarão a conta.