Antonio Oliveira Santos
Presidente da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo
Temas como estes que, até há pouco tempo, ficavam restritos ao âmbito dos estudos acadêmicos, começam a ganhar as páginas dos jornais. É uma nova tomada de consciência da sociedade.
Antonio Oliveira Santos
Presidente da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo
Temas como estes que, até há pouco tempo, ficavam restritos ao âmbito dos estudos acadêmicos, começam a ganhar as páginas dos jornais. É uma nova tomada de consciência da sociedade. A desigualdade está profundamente vinculada à má distribuição da renda, esta agravada, por seu turno, com a queda da participação dos salários na renda nacional; na seqüência de relações causais, a diminuição da massa salarial tem muito a ver com o nível de desemprego e este com a força-de trabalho migrando para o mercado informal, onde a remuneração média é forçosamente menor.
Dados de uma recente pesquisa amostral da Datafolha nos permitem desenhar um pouco mais nitidamente essa cadeia de relações com algumas verificações numéricas. Entre 1996 e 2001 o número de maiores de 16 anos sem ocupação e buscando emprego em números redondos, passou de 4 milhões para 12,7 milhões, ou seja, aumentou mais de três vezes. Como corolário desse aumento, o número de empregos regulares, face à legislação trabalhista, caiu em termos relativos de 40% da População em Idade Ativa (PIA) para 26%. E a remuneração média do trabalhador com registro é 40% superior ao do trabalhador sem carteira, mas com alguma qualificação (“o biscateiro”) e 90% acima da remuneração alcançada pelo menos qualificado.
O fosso aumenta quando se leva em conta que no mercado formal o trabalhador tem direito a férias remuneradas, ao décimo terceiro salário, ao seguro desemprego, ao auxílio doença e ao fundo de garantia, o todo representando, em algum momento, importante renda adicional comparada ao trabalhador sem registro.
Numa visão imediatista, desemprego e desigualdade, ao caminharem juntos, de mãos dadas, têm sua origem nas modestíssimas taxas de crescimento econômico, que desde a década dos anos 1980 têm sido uma constante na vida nacional. É fato notório que o crescimento econômico está travado pela pesada carga tributária, pelas altas taxas de juros, pela ineficiência da infra-estrutura econômica (energia e transportes) e por uma burocracia que, não raro, agride o bom senso.
Numa visão mais elaborada, os dois temas têm muito a ver com a adaptação do país ao novo estado da arte ou padrão tecnológico gerado pela ” chips ” da microeletrônica. Há pelo menos duas décadas, a máquina de comando numérico faz parte dos processos industriais de produção. Nesse contexto de automação, a expansão da produção industrial não tem contrapartida no aumento do nível de emprego. Vista por detrás do espelho, as novas formas de produção aumentam a produtividade industrial e o setor não tem como dar resposta ao problema do emprego no mercado formal de trabalho. A resposta terá de vir do setor serviços e do comércio onde, a despeito da automação, a presença do fator humano continuará a ser intensa.
Os novos métodos de produção significam desaparecimento de certas profissões e nascimento de outras. As centrais automáticas de telefonia eliminaram a figura da telefonista; o cabineiro do elevador é uma espécie em extinção. O mercado para a secretária taquígrafa ficou estreito. Em compensação, a era da informática abriu caminho para novas atividades de manutenção dos equipamentos, assim como para programadores e engenheiros de sistemas e novas formas de prestação de serviços, como no caso da logística e do lazer.
A realidade está num mercado de trabalho muito mais exigente em termos de qualificação da população economicamente ativa, em confronto com o baixo nível de escolaridade e capacitação dos trabalhadores. O processador de texto, a planilha eletrônica, a computação gráfica e a busca na rede da Internet são requisitos para o emprego, em grande parte do setor serviços. O SENAC e o SENAI estão fazendo sua parte na qualificação de “quadros médios” que as novas tecnologias reclamam, como elemento-chave do desenvolvimento nacional.
Há mais de 50 anos, essas instituições passaram a ser parte integrante do sistema educacional brasileiro, responsáveis pelo segmento mais importante do ensino profissional no Brasil. Aliás, em verdade, SENAC e SESC realizam, nesse campo, o trabalho que caberia ao Governo realizar.
Sem uma força-de-trabalho bem capacitada para os desafios dos novos modos de produção, a parte da economia informal constituída pelo trabalhador de baixa qualificação continuará a ter enorme peso na sociedade brasileira. E será muito difícil reduzir o fosso das desigualdades, na medida em que é explicado pelos desníveis de remuneração entre o mercado formal de trabalho e a economia submersa, cujo paradigma é o comércio ambulante das ruas.
Afinal, não há como escapar à conclusão de que é preciso consolidar o processo de universalização do ensino de primeiro grau, da mesma forma que se impõe a necessidade de reformar todo o quadro do ensino médio, principalmente no que tange à diretrizes curriculares, à elaboração dos livros didáticos, aos equipamentos escolares, à formação de professores, entre outras coisas.
Esse é, sem dúvida, o caminho para chegarmos às soluções mais viáveis no sentido de reduzir as agruras do desemprego e das desigualdades sociais.
Publicado no Jornal do Commercio de 07/05/2002, Caderno Perspectivas, pág. A-24