Antonio Oliveira Santos
Presidente da Confederação Nacional do Comércio
Como é sabido, a aparição da burocracia surgiu com o Estado Moderno e alcançou sua verdadeira dimensão com o intervencionismo estatal e, através da regulação, com a ingerência do poder público sobre os negócios privados.
Como braço através do qual o Estado exerce sua ação, o que se espera e o que justifica a burocracia é a administração competente do aparelho estatal.
Antonio Oliveira Santos
Presidente da Confederação Nacional do Comércio
Como é sabido, a aparição da burocracia surgiu com o Estado Moderno e alcançou sua verdadeira dimensão com o intervencionismo estatal e, através da regulação, com a ingerência do poder público sobre os negócios privados.
Como braço através do qual o Estado exerce sua ação, o que se espera e o que justifica a burocracia é a administração competente do aparelho estatal. Mas o excesso de ingerência pode dar lugar, e daí o sentido pejorativo atribuído à palavra, a uma burocracia que através da manipulação do poder busca preservar privilégios e satisfazer suas próprias aspirações, ao invés de bem servir à cidadania. Esta é a hora em que, no dizer de Jaime Rotstein, membro do Conselho Técnico da CNC , a burocracia está politizada.
Mito ou realidade diz-se que o Brasil tem uma insopitável tendência a tudo regular, como conseqüência de sua herança histórico-cultural, vinda da Europa Mediterrânea. Excesso de regulação que requer uma máquina burocrática de grande porte, desdobrada pelos três poderes da República e pelos três níveis da Federação. A relação causal entre regulação excessiva e dimensão da máquina torna-se componente importante dos custos operacionais, no campo das atividades econômicas.
Além do custo explícito da própria dimensão da burocracia, expressa no número de funcionários, nem sempre bem treinados, e redundantes por força das acomodações de natureza política, há outros custos implícitos, que se incorporam ao agregado de custos que hoje se convencionou chamar de Custo Brasil.
Duas dessa formas de custo saltam de pronto aos olhos de qualquer observador. A primeira corresponde ao peso e à massa de procedimentos que fluem do emaranhado das Leis, Decretos, Portarias e Resoluções, por vezes até conflitantes, destinados a atender toda essa teia de regulação que passa pelo Fisco, envereda pela previdência social e se prolonga até o meio ambiente. Uma ilustração mais detalhada sobre o custo da regulação oficial está num inquérito citado por Armando Castelar Pinheiro, em recente estudo de natureza acadêmica, levado a cabo como pesquisador do IPEA.
Nesse levantamento, que engloba 75 países em distintos níveis de desenvolvimento, foi possível concluir, ao tomar como referência o Brasil, que:
- O número de procedimentos indispensáveis para abrir uma pequena empresa varia de um mínimo de 2 no Canadá a 20 na Bolívia; a média mundial está em torno de 10, enquanto no Brasil são 15 os passos necessários.
- O tempo mínimo necessário para cumprir os procedimentos é de dois dias úteis em vários países, sendo o tempo extremo, o caso de Moçambique que requer 174 dias. O Brasil, com um tempo requerido de 67 dias úteis, situa-se acima da média mundial de 63 dias.
- O custo para cumprir todos os procedimentos varia de 0,4% da renda per capita na Nova Zelândia a 260% na Bolívia. A média mundial fica ao redor de 34% e, no Brasil, esse custo é de 67,4%.
Um segundo tipo de custo está refletido no aumento da economia informal. Não admira que com tantos passos a cumprir, tempo de espera e gastos a realizar, essa economia, que se desenvolve à margem da Lei e da voracidade do Fisco ganhe corpo e espaço, no conjunto das atividades econômicas. Eis aí um novo custo a ter em conta, de vez que, com raras exceções, na economia submersa, o emprego é de má qualidade e precário, tudo resultando em baixa produtividade a comprometer o esforço produtivo da Nação. Como a burocracia compromete o crescimento econômico, pode-se dizer, generalizando, que o tamanho da economia informal está na razão inversa do grau de desenvolvimento de um país.
Uma regulação abundante e estrita não garante a priori melhor qualidade da produção, maior higidez da população e melhor controle e prevenção das agressões ao meio ambiente. Mas serve de pretexto para a interpretação dos dispositivos que, resultando no impasse burocrático, abrem caminho para formas variadas de corrupção.
Existe, certamente, uma forte correlação entre o excesso de regulação e o peso da burocracia, a exercer domínio sobre as decisões do setor privado. Seria desejável que tivéssemos um país com menos regulação e, por conseqüência, menos entraves para as decisões de investimento, freqüentemente procrastinadas pelos conflitos de competência entre áreas distintas das administrações públicas. Essa, contudo, não parece ser, como os acontecimentos estão a demonstrar, nem a inclinação nem a tendência dos partidos políticos que, nos últimos tempos, têm estado no epicentro do Poder.
É claro que nos países modernos há de haver todo um conjunto de leis, portarias e resoluções que regulem as atividades econômicas. Mas em nossa economia existe um viés nesse aparelho regulatório, que nem sempre distingue, no universo das empresas, as pequenas das grandes empresas. As excessivas exigências burocráticas pesam sobremaneira sobre as empresas de menor porte.
Publicado em 2003, um exaustivo inquérito do IBGE sobre o setor – “ Comércio e Serviços “ – mostra que as micro e pequenas empresas representam 22,3% do total de empresas do setor, entendendo-se por micro empresa a que emprega até cinco pessoas e, por pequena empresa a que congrega até 19 empregados. Essa conceituação é conjugada com o nível de receita bruta anual, até o limite de R$ 1,5 milhão.
Atualmente, existem no Brasil, em números redondos, 2 milhões de micro e pequenas empresas, representando 9,7% da população ocupada, ou sejam 7,3 milhões de pessoas. Num país onde o emprego tornou-se a maior aspiração de milhões de brasileiros e o desemprego constitui o problema mais importante do Governo, sobressai a contribuição relevante que essas empresas podem dar para manter o nível de ocupação.
É lamentável, entretanto, verificar que a constante criação de empresas de pequeno porte apresenta, em paralelo, taxas igualmente altas de mortalidade. Desaparecem com a mesma rapidez com que surgem. Quando se pesquisam as causas dessa volatilidade, a resposta pode ser encontrada na dificuldade de acesso ao crédito, na falta de apoio técnico, no gerenciamento inadequado e baixa qualificação profissional. Além dessas limitações, cabe destacar o impacto negativo da burocracia, a forma e o número de exigências burocráticas que precisam ser cumpridas, para que possam funcionar legalmente as empresas de pequeno porte.
O prazo para abertura de uma nova empresa, até que possa efetivamente operar, gira em torno de 90 dias e uma simples transferência de domicílio pode levar mais de 60 dias para obter a regularização junto aos órgãos fazendários. Esperava-se que o novo Código Civil pudesse simplificar os procedimentos para essas empresas, mas, infelizmente, isso não aconteceu. As dificuldades permanecem, como permanecem os constrangimentos nas áreas fiscal e trabalhista.
Um exemplo típico de regulação excessiva que emperra a criação e o funcionamento de micro e pequenas empresas, quase como uma caricatura, pode ser encontrado no caso de um pequeno importador de vinhos. Desde 1996, os importadores devem registrar, junto ao Ministério da Agricultura, o produtor e os vinhos por este produzidos. Além do certificado de origem, o importador deve fornecer ao Ministério as análises feitas no país de origem e, não obstante, se vê obrigado a repeti-las no Brasil. Operação que demora em média três semanas, repercutindo sobre os custos de armazenagem e encurtando os prazos de pagamento que, obviamente, continuam correndo. Mas há mais. No caso de um mesmo vinho de mesma safra, proveniente da mesma região e, portanto, com a mesma denominação de origem, as exigências se repetem tantas vezes quantas forem as partidas importadas, num mesmo ano.
À margem destas considerações, não se pode negar o alcance de algumas iniciativas governamentais, no sentido de dar um tratamento diferenciado às micro e pequenas empresas, como é o caso do Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições, conhecido pela sigla Simples, que permite o pagamento unificado de uma serie de impostos e contribuições.
Muito embora sejam louváveis essas iniciativas, muitas vezes o rigor e o preciosismo dos burocratas, em fazer cumprir a legislação, resulta na criação de inúmeras dificuldades, para dizer o mínimo, situação que leva o pequeno empresário ao desespero, ante o sentimento de impotência em face dos obstáculos que encontra em seu caminho. É o caso, por exemplo, das pequenas empresas que operam no setor dos serviços, impedidas de aderir ao sistema SIMPLES, por uma inexplicável intransigência das autoridades fazendárias.
O Governo pode incrementar a atividade econômica, com geração de emprego e renda, dispensando atenção especial às micro e pequenas empresas, não só ampliando os limites para a opção pelo SIMPLES e a extensão do sistema ao setor de serviços, como ainda criando um sistema similar para reduzir a burocracia, unificar e simplificar o registro de tais sociedades, no comércio de bens e serviços e turismo.
Publicado na A Gazeta de 13 e 14/02 e 09 e 10/03/2004, Caderno Opinião, pág. 05.