Gestão traz pouco ganho à Previdência

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Apresentado como alternativa a uma reforma impopular, o “novo modelo de gestão” que o governo afirma estar aplicando na Previdência Social tem, neste ano, resultados muito inferiores aos esperados.


Chegou-se a estimar, no Orçamento de 2006, uma economia de R$ 5,4 bilhões com o combate a fraudes e desperdícios -basicamente, por meio de um censo previdenciário e do controle da concessão do auxílio-doença.


A conta, no Ministério do Planejamento, já caiu para R$ 1,6 bilhão.

Apresentado como alternativa a uma reforma impopular, o “novo modelo de gestão” que o governo afirma estar aplicando na Previdência Social tem, neste ano, resultados muito inferiores aos esperados.


Chegou-se a estimar, no Orçamento de 2006, uma economia de R$ 5,4 bilhões com o combate a fraudes e desperdícios -basicamente, por meio de um censo previdenciário e do controle da concessão do auxílio-doença.


A conta, no Ministério do Planejamento, já caiu para R$ 1,6 bilhão. Os resultados palpáveis, porém, são contados em milhões de reais.


A própria Previdência admite que os resultados do censo ficaram aquém do previsto. “Não é muita coisa ainda. Eu conto com R$ 120 milhões, R$ 125 milhões”, afirmou o secretário de Previdência Social, Helmut Schwarzer.


A cifra mais alta equivale a 0,08% das despesas de R$ 166 bilhões com benefícios projetadas para o ano.


O controle da concessão do auxílio-doença -benefício previdenciário que teve crescimento explosivo nesta década- só surtiu efeito até maio. Desde então, o número de benefícios emitidos pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) voltou a subir mês a mês, de forma acelerada.


Mais benefícios


De maio ao mês passado, a quantidade de benefícios cresceu 17,4%. Como comparação, essa taxa foi de 6,4% no mesmo período de 2005. O número de auxílios-doença existentes no mês passado, 1,425 milhão, já supera a média mensal do ano passado, embora seja inferior ao volume de outubro de 2005, quando foi atingido o recorde histórico -1,533 milhão.


Os gastos com o auxílio-doença atingiram R$ 971,9 milhões em outubro. Se houvesse hoje o mesmo número de beneficiários de um ano atrás, a despesa seria superior em R$ 73 milhões. É menos da metade dos R$ 150 milhões mensais esperados no início do ano, e essa economia cairá ainda mais se a quantidade de benefícios continuar em alta.


Valores em xeque


Em entrevista na semana passada, Schwarzer apresentou a cifra de R$ 8 bilhões como a economia obtida neste ano com as melhoras de gestão. O cálculo do secretário se baseia na diferença entre o déficit previdenciário esperado inicialmente para o ano -R$ 50 bilhões, segundo o secretário- e a previsão atual, em torno de R$ 42 bilhões.


O acompanhamento orçamentário feito pelo Ministério do Planejamento contradiz esses valores.


O Orçamento proposto pelo Executivo previa um déficit de R$ 39 bilhões; com o reajuste do salário mínimo para R$ 350, a conta subiu para R$ 44,7 bilhões em março.


“Vale ressaltar que a projeção não considera os efeitos positivos decorrentes do recadastramento, em andamento, dos beneficiários da Previdência Social e das medidas administrativas que visam otimizar a concessão de benefícios”, dizia o documento. Na última sexta, saiu a previsão mais recente, de R$ 42,1 bilhões.


Houve uma redução, portanto, de R$ 2,6 bilhões -mas que nada teve a ver com as medidas de gestão mencionadas.


De lá para cá, a previsão para o pagamento de benefícios foi, isso sim, elevada em quase R$ 500 milhões. Os ganhos vieram somente do lado da arrecadação. Mesmo no cálculo de Schwarzer, aliás, 60% do suposto ganho é aumento de receita.


O secretário também afirma que, pelas projeções do ministério, as medidas administrativas serão suficientes para manter o déficit previdenciário entre R$ 40 bilhões e R$ 50 bilhões por ano até 2010. Os cálculos, porém, consideram ganhos reais modestos para o salário mínimo. Reajustes de 8% ou 13% ao ano acima da inflação, como os concedidos nos últimos dois anos, fazem a conta desandar.


Embate político


A defesa do novo modelo administrativo do INSS acabou se tornando bandeira da ala do governo contrária a uma reforma da Previdência que inclua, por exemplo, a fixação de uma idade mínima para a aposentadoria e a desvinculação entre os benefícios e o salário mínimo.

Na semana passada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva rejeitou, em discussões internas, tais propostas, sugeridas pela equipe da Fazenda. Tende a prevalecer no governo, portanto, a receita que combina crescimento econômico e gestão como saída para o rombo previdenciário.

Até aqui, a providência mais concreta adotada foi reduzir a proposta do Executivo para o reajuste do salário mínimo em 2007, de R$ 375 para R$ 367 mensais -o que pode reduzir em cerca de R$ 1 bilhão o déficit de R$ 46,4 bilhões projetado para o próximo ano. O Congresso, porém, é hostil à idéia.


Seguridade social não tem déficit e é auto-sustentável, afirma pesquisadora


Em tese intitulada “A Falsa Crise da Seguridade Social no País”, a professora do Instituto de Economia da UFRJ Denise Gentil defende que a previdência pública é auto-sustentável e o sistema de seguridade social é superavitário. Para Gentil, o conceito de déficit da Previdência usado por especialistas e pelo governo não está de acordo com o previsto na Constituição de 1988 e com qualquer tipo de dispositivo legal por considerar apenas as receitas de contribuição ao INSS do empregador e dos trabalhadores.


“O montante de gastos a serem realizados com Previdência é uma decisão de governo, é uma decisão política e, como tal, deve estar baseada em uma meta de redistribuição de renda e de garantia de um padrão mínimo de bem estar à população”, disse.


A Constituição de 1988 definiu que Previdência Social, saúde e assistência social formam um único sistema, o da seguridade social. Além das contribuições de empregados, empregadores e autônomos, foram incluídas a tributação sobre faturamento e lucro.


De acordo com a professora, o saldo previdenciário não contabiliza parcelas de recursos de impostos como CSLL (Contribuição sobre o Lucro Líquido), Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) e CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira). “Esses recursos são desviados da Seguridade Social para aplicações em outras áreas, como gastos financeiros do governo e despesas de custeio de outros ministérios. O verdadeiro resultado da Previdência é o saldo operacional.”


Segundo Gentil, o cálculo adotado pelo governo levaria a Previdência a apresentar déficit em qualquer cenário. Para a pesquisadora, os principais beneficiados pelo cálculo atual são os que defendem uma Previdência privatizada.


“É evidente que a questão financeira é importante, mas ela está subordinada a um problema mais relevante, que é a superação do subdesenvolvimento e da grande concentração de renda que o acompanha”, afirmou Gentil.


A pesquisadora contesta também a visão de que o déficit da Previdência se tornou ainda mais problemático com a tendência de envelhecimento da população. “A questão demográfica só se transformará em problema sério se políticas econômicas recessivas continuarem a ser adotadas. Se houvesse uma política de crescimento, o efeito poderia ser compensado com o aumento da geração de emprego e do contingente de trabalhadores formais, o que aumentaria a base de contribuintes”, disse.


De acordo com os cálculos de Gentil, ao contrário do déficit de R$ 37,57 bilhões em 2005, a Previdência registrou um superávit de R$ 921,04 milhões. Para a pesquisadora, ainda é cedo para o país iniciar uma nova reforma da Previdência porque os efeitos da última reforma ainda não puderam ser integralmente percebidos.


 


 


 

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