Mitos da reforma tributária (Jornal do Commercio, 03/12/2002)

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Antonio Oliveira Santos

Presidente da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo


O Governo que chega agora ao seu ocaso, como todo Governo, teve seus erros e acertos. Provavelmente, o balanço definitivo, feito a partir de uma perspectiva histórica, lhe será favorável. De imediato, pode-se identificar entre seus acertos a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal e, entre seus erros, a inapetência para levar a cabo, pelas razões que saltam aos olhos de tão evidentes, a tão necessária Reforma Tributária.

Antonio Oliveira Santos

Presidente da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo


O Governo que chega agora ao seu ocaso, como todo Governo, teve seus erros e acertos. Provavelmente, o balanço definitivo, feito a partir de uma perspectiva histórica, lhe será favorável. De imediato, pode-se identificar entre seus acertos a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal e, entre seus erros, a inapetência para levar a cabo, pelas razões que saltam aos olhos de tão evidentes, a tão necessária Reforma Tributária.


Esta será uma das tarefas essenciais que o novo Governo terá de enfrentar, com a determinação que faltou ao antecessor. Mas não basta falar em Reforma Tributária, sem desde logo definir os seus contornos essenciais, sem indicar em seu desenho em que direção se deseja caminhar. Por isso, antes de tudo o mais, é preciso que nos livremos de certos mitos.


Um primeiro mito está contido numa reforma que visa a “desonerar a produção”. Não no sentido, como pareceria à primeira vista, de reduzir a carga fiscal e, sim , de aliviar o peso dos impostos sobre as fases iniciais do processo produtivo, especialmente a indústria. Ora, a produção, como processo que é, se desenvolve a partir dos fatores de produção, capital e trabalho, desde as atividades da terra até o consumo final, passando pelos estágios do transporte, comercialização e prestação dos serviços. Desonerar a produção no sentido restrito que tem sido, até aqui, usado no debate sobre o tema, significaria repassar aos estágios subseqüentes do processo o alívio dado aos estágios iniciais. Tudo se passaria como se estivéssemos trocando seis por meia dúzia.


Tal proposta implica profunda revisão da distribuição da carga fiscal entre as distintas fases do processo produtivo e haveria natural resistência dos ramos de atividade que viessem a ser chamados a pagar mais imposto. Como se esse argumento não fosse suficiente, as simulações realizadas a respeito apontam para uma alíquota média de 45%, podendo alcançar 60%, se todo o peso da incidência tributária viesse a recair sobre o consumo final, ou seja, o comércio varejista.


Um segundo mito reside na idéia de uma reforma tributária neutra. Aceita-se a reforma se, na repartição das rendas tributárias entre os entes federativos, “tudo ficar como antes”. O pressuposto da neutralidade é uma restrição quase insuperável para chegar a um novo sistema de impostos e não deve ser confundido com um jogo de soma zero, porque, neste, há ganhos e perdas. Na verdade, a uma nova partilha das rendas tributárias deveria corresponder um novo marco de competências e encargos entre a União, os Estados e os Municípios. Estaríamos, então, tratando de uma reforma fiscal, mais do que uma reforma tributária.


Um terceiro mito consiste em pensar que a reforma deva resultar numa mudança drástica da proporção dos impostos ditos “diretos”, relativamente aos chamados “indiretos”, para que se tenha um sistema mais equânime e de melhor qualidade. A fatia de impostos diretos na arrecadação total depende do nível da renda e de sua distribuição. Em nosso caso, essa proporção excede os 20%, pequena em relação a países altamente desenvolvidos, mas elevada comparativamente a países cuja renda por habitante é de nível semelhante ao brasileiro. Vista por esse ângulo, a tributação direta está no seu limite.


Uma reforma tributária efetiva teria de ter como pressuposto fundamental a redução da carga tributária, para torna-la compatível com nosso nível de desenvolvimento. Mas a evolução para um sistema tributário melhor que o atual encontra inúmeros obstáculos, a começar pelo fato de menor carga exigir redução correlativa dos gastos. Um caminho para alcançar esse objetivo, seria fixar metas gradualmente descendentes para a atual carga tributária, visando alcançar, no futuro, o nível, digamos, de 25% do PIB, como era em 1994. O que significa dizer que não haverá reforma tributária sem reforma fiscal, ou seja, taxativamente, sem que haja uma redução substancial dos gastos públicos.


Publicado no Jornal do Commercio de 03/12/2002, Caderno Opinião, pág. A-18.

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