O fim do crediário às populações de baixa renda (Jornal do Brasil, 10/07/2004)

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Antonio Oliveira Santos

Presidente da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo


A moeda é, como a bandeira, o hino e as armas da República, um dos símbolos de todas as nações.

Antonio Oliveira Santos

Presidente da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo


A moeda é, como a bandeira, o hino e as armas da República, um dos símbolos de todas as nações. Entre nós, o real veio restabelecer a confiança do povo brasileiro na estabilidade monetária, indispensável a toda a sociedade, sobretudo as populações de baixa renda, que são as que mais sofrem os nocivos efeitos da inflação, um verdadeiro tributo invisível.


O governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva vem realizando um esforço na defesa da estabilidade da moeda nacional. Paradoxalmente, medidas legislativas e administrativas têm sido adotadas com o objetivo de reduzir a importância da moeda nacional, substituindo-a, como meio de pagamento, por cheque, cartões de crédito e débito, doc’s, ted’s etc.


Nesse contexto, o Congresso Nacional acaba de aprovar Projeto de lei nº 36/04, em que foi transformado a Medida Provisória nº 179, de 1º/04/04, que altera a Lei 9.311, de 24/10/96, relativa à CPMF, para criar a “conta corrente de depósito para investimento”, cujos lançamentos a débito não sofrerão a incidência dessa contribuição social. Esse projeto, que está sendo submetido à sanção do Senhor Presidente da República, contém, no entanto, nova e violenta agressão à moeda nacional, ao mesmo tempo em que praticamente decreta o fim das vendas a crédito às populações de baixa renda.


Com efeito, o artº 2º desse projeto de lei estabelece penalidades (multas) pela inobservância das novas regras legais, mas, em seu § 2º, prescreve, de modo obscuro, “a obrigatoriedade de crédito em conta corrente de depósito à vista do beneficiário de valores correspondentes às seguintes operações:


“I – cobrança de créditos de qualquer natureza, direitos ou valores,  representados ou não por títulos, inclusive cheques:


II – recebimento de carnês, contas ou faturas de qualquer natureza, bem como de quaisquer outros valores não abrangidos no inciso I deste parágrafo.” (inciso anterior)


Tal preceito, como redigido, provocará, por certo, a cessação das vendas do comércio varejista pelo sistema de crediário às populações de baixa renda, que não dispõem de contas bancárias e efetuam em dinheiro o pagamento de suas prestações.


Esse dispositivo, como é fácil ver, significa, simplesmente, o absurdo inominável de proibir os pagamentos, em moeda corrente, das prestações de crediário, obrigando que todas as contas, pequenas ou grandes, sejam feitas em cheques cruzados ou em depósito direto na conta de depósito do credor ou vendedor. Significa, em verdade, negar o curso forçado da moeda nacional estabelecida na Constituição, o que constitui contravenção penal punida pela artigo 43 da Lei de Contravenções Penais.


Assim, os comerciantes, se receberem em dinheiro, as prestações dos carnês dos crediários, sujeitar-se-ão a multas de 150% a 450%. Caso contrário, se não aceitarem o pagamento em dinheiro, poderão ser tidos como contraventores.


Afora isso, o descumprimento, ainda que sem dolo, dessas e outras normas do mencionado projeto de lei, caso venha a ser sancionado, é punido com multas de 125%, 225%, 300% e 450% (exclusiva das infrações às leis do imposto de renda), verdadeiramente escorchantes e confiscatórias, sobretudo na conjuntura atual, em que a moeda nacional se encontra estabilizada, graças aos esforços do atual Governo, em especial o Ministério da Fazenda e o Banco Central. O projeto não indica a base de cálculo dessas multas. Sob o aspecto econômico, nenhuma atividade comercial, industrial ou de serviços pode alcançar margem de lucro que possibilite o pagamento de multas de tal natureza. Nesse particular, o projeto de lei segue orientação diametralmente oposta a do novo Código Civil, que reduziu de 20% para 2% a multa por atraso no pagamento de contribuições condominais.


Por outro lado, a redução da incidência da CPMF sobre os saques concernentes a investimentos financeiros (realizados pelas classes mais abastadas) será socialmente injusta, na medida em que, para o Fisco, a perda da respectiva receita será compensada com uma receita muito maior (estimada no triplo da perda) decorrente da utilização obrigatória de cheques ou contas bancárias, em detrimento do uso da moeda nacional, assim incidindo sobre a classe média e a classe de baixa renda.


Com a sanção desse projeto de lei, ganharão os investidores do mercado financeiro (isenção de CPMF), as instituições financeiras (maior volume de cheques e aumento das contas bancárias) e a Receita Federal (aumento da receita da CPMF). Sairão perdendo as populações de baixa renda e a classe comercial.


Certamente, o texto aprovado escapou à devida análise pelas assessorias dos Ministérios da área econômica e da área social, pois não se pode acreditar que o Presidente da República aprove medida tão absurda e nociva às populações de baixa renda e a todo o comércio brasileiro. Em tais condições, o empresariado comercial espera que os Srs. Ministros da área econômica e da área social do Governo aconselhem ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República a aposição de veto aos mencionados dispositivos do projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional.


Publicado no Jornal do Brasil de 10/07/2004, Caderno Outras Opiniões, pág. A-9.


 

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