Tenho pelo ministro Fernando Haddad particular apreço intelectual e permanente estima, que vem dos idos da década de 80, quando lutávamos, pelas “Diretas Já” e pela “Constituinte Exclusiva”. No curso destes 20 anos de amizade, nossas convergências foram muitas. Nossas divergências, poucas e sempre expostas com o respeito que dois amigos cultivam, nos debates, ao longo do tempo.
Uma destas divergências está no Prouni e na forma como foi veiculado.
Tenho pelo ministro Fernando Haddad particular apreço intelectual e permanente estima, que vem dos idos da década de 80, quando lutávamos, pelas “Diretas Já” e pela “Constituinte Exclusiva”. No curso destes 20 anos de amizade, nossas convergências foram muitas. Nossas divergências, poucas e sempre expostas com o respeito que dois amigos cultivam, nos debates, ao longo do tempo.
Uma destas divergências está no Prouni e na forma como foi veiculado. Tenho para mim que a Lei 11.096/95 é inconstitucional, por confundir o instituto da imunidade, apenas regulável por lei complementar, com o da isenção, que pode ser veiculado por lei ordinária. Recentemente, em brilhante palestra proferida por S.Exa., no Centro de Extensão Universitária-CEU, referi-me ao fato de que esta divergência, deverá ser solucionada pela Suprema Corte em ação direta de inconstitucionalidade, patrocinada por meu escritório, em nome da Confenen. É de acentuar-se que a preocupação do ministro e a minha, como velho professor -leciono desde 1954-, com a juventude e com a inclusão social é a mesma, nisto residindo uma fantástica convergência. A divergência situa-se na liturgia das formas jurídicas e na escolha dos parceiros e motivos para esta isenção. Neste artigo, cuidarei só da liturgia das formas.
No que diz respeito a este aspecto, S.Exa., em recente artigo, entendeu que os artigos 195 par. 7º e 150 inciso VI letra “c” da CF, que cuidam das imunidades, em verdade, teriam veiculado isenções, razão pela qual em nenhum momento, as leis aprovadas pelo Congresso e propostas por ele e pelo ministro Tarso Genro referir-se-iam a imunidades. Seu artigo não oferta dúvidas de que, para ele, a Constituição cuidou de isenções.
Tenho para mim, porém, que só cuidou, nos dois dispositivos, de imunidades, conforme reiteradamente o Supremo tem decidido tanto em controle difuso, como em controle concentrado. Aliás, os dois casos mais emblemáticos julgados pela Suprema Corte tendo por objeto as vedações constitucionais ao poder de tributar, foram casos em que patrocinei e que tive oportunidade de sustentar oralmente e em memoriais.
Neles, os ínclitos ministros, por unanimidade, nos primeiros dois casos, julgados conjuntamente, e relatados pelo ministro José Celso de Mello e Ilmar Galvão, e, no segundo, pelo ministro Marco Aurélio, durante o recesso da Casa, e posteriormente referendados em plenário, tendo como relator o ministro Moreira Alves, entenderam que as vedações constitucionais ao poder de tributar não se confundem com as isenções e que sempre que a Constituição institui uma interdição impositiva, mesmo que fale em isenção, como no artigo 195 parágrafo 7º, cuida, de rigor, de imunidades.
Para o direito, imunidade é a proibição -imposta pela Constituição- de tributar pessoas, situações ou relações, não podendo o poder impositivo ingressar na área pela Carta Magna interditada. Isenção é favor legal que o Poder Tributante pode outorgar, não se confundindo, pois, com a vedação constitucional. Por esta razão, já decidiu o STF que a isenção se interpreta restritivamente (quem outorga o favor pode definir em que extensão o fez) e a imunidade, extensivamente (o poder tributante não tem direito de restringir o espectro da imunidade, por problemas orçamentários ou de necessidade de receita, maculando o intuito constitucional).
Ora, as imunidades como têm decidido os diversos tribunais, inclusive os próprios ministros, em decisões singulares, só pode ser regulamentada por lei complementar, estando a maioria esmagadora da doutrina pátria a esposar idêntica exegese.
Nem seria lógico que o fosse por lei ordinária, pois, a ser assim, uma vez que as 5,5 mil entidades federativas, são titulares do poder de tributar, poderíamos ter, em cada unidade da Federação, legislação ordinária dando um perfil jurídico distinto ao instituto constitucional, nos impostos de sua competência. Poderia se chegar ao absurdo de 5,5 mil conceitos diferentes de imunidades, se pudessem regulá-las, por lei ordinária, os 5,5 mil estados, municípios, Distrito Federal e União.
Por esta razão, houve por bem, o legislador complementar, no CTN, definir quais são as regras da imunidade para todas as entidades federativas, colocando, nos seus artigos 9 e 14, as únicas condições que uma entidade deve atender para que possa ou não ser imune. De rigor, esta questão essencial renova-se na Adin 3.330, contra a lei proposta em face da MP 213/04, depois convertida na Lei 11.096/95, pela Confederação Nacional de Ensino, cabendo ao STF, com sua nova composição, conformar ou não tal inteligência.
Tenho para mim que, se for alterada a orientação predominante nos tribunais de que imunidade não se confunde com isenção, tornando assemelhados os dois institutos, correremos o sério risco de que o constituinte -que, através das imunidades procurou estimular empreendimentos na área social e educacional, para que a sociedade fizesse o que os governos deveriam fazer com os impostos e que não fazem ou fazem mal- venha a ter o seu intuito incentivador frustrado, desconstituindo-se inúmeras organizações sem fins lucrativos, que estão colaborando para cobrir o profundo “déficit” social e educacional que o País infelizmente ostenta.
Tenho, pois, para mim -já que as preocupações do ministro, com suas responsabilidades maiores, e as minhas de modesto professor provincial são as mesmas, variando, apenas, quanto à forma legislativa- que poderão vir a ser desestruturados setores relevantes para o país, desguarnecendo-se a sociedade por conta do apetite insaciável de 5,5 mil fiscos federativos, se for vencedora a tese de que, em matéria de imunidades, a lei ordinária prevalece sobre a lei complementar.
Espero que a Suprema Corte preserve a vontade do constituinte, pois, se a lei é mais inteligente que o legislador, por força do antecedente constitucional, a Constituição não é mais inteligente do que o constituinte, visto que este, como representante do povo, é seu antecedente imediato e o que coloca na Lei Suprema é o que, em tese, o povo pretendeu que colocasse.