Por quem os juros dobram (A Gazeta, 31/08/2003)

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Antonio Oliveira Santos

Presidente da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo


Tornou-se um lugar comum, no Brasil, entre empresários e trabalhadores, entre leigos e especialistas, apontar as taxas de juros altas como o principal inibidor do crescimento econômico. Com altas taxas de juros, as margens de lucro diminuem e os empresários reduzem a propensão a investir. O mesmo ocorreria com o consumidor que, diante de maiores rendimentos da poupança, prefere adiar o consumo para lucrar com as aplicações em renda fixa.

Antonio Oliveira Santos

Presidente da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo


Tornou-se um lugar comum, no Brasil, entre empresários e trabalhadores, entre leigos e especialistas, apontar as taxas de juros altas como o principal inibidor do crescimento econômico. Com altas taxas de juros, as margens de lucro diminuem e os empresários reduzem a propensão a investir. O mesmo ocorreria com o consumidor que, diante de maiores rendimentos da poupança, prefere adiar o consumo para lucrar com as aplicações em renda fixa. É evidente que esse raciocínio confere totalmente com os postulados da teoria econômica. No Brasil, porém, e também em outros países, nem sempre as coisas se passam de acordo com esse figurino.


No nosso caso, por exemplo, podemos citar as condições especiais que regem o crédito rural, cujo saldo atual de R$ 38,3 bilhões, representa 10% do total de empréstimos do sistema financeiro. Esses empréstimos estão sujeitos a taxas de juros subsidiadas, que vão desde 2,0% ao ano, no PRONAF, destinado aos pequenos agricultores, até 8,75%, para as operações de custeio de maior vulto. Através do Banco do Brasil, do BNDES, da Caixa Econômica, do SEBRAE, existe um amplo leque de operações de micro-crédito, favorecendo pequenos investidores, a taxas subsidiadas.


O mesmo se passa com as empresas exportadoras, financiadas através das operações de adiantamento sobre contratos de câmbio (ACC) ou de embarque (ACE), cujas taxas atuais, em dólares, estão ao redor de 4% ao ano. Nos períodos de valorização do Real, essa taxa se torna negativa, mas, mesmo em períodos mais prolongados, a taxa é sempre baixa.


Igual situação desfrutam as empresas que têm acesso ao BNDES, principalmente para grandes empreendimentos. Nesse caso, a taxa de juros em vigor é a TJLP (taxa de juros de longo prazo), situada,  atualmente, em 12% ao ano. Algumas operações pagam um adicional de 2% ou 3% acima da TJLP, porém, em termos reais, descontada a inflação, essa taxa ainda é altamente favorável, às vezes negativa.


As grandes empresas, como a PETROBRÁS, a Companhia Vale do Rio Doce, a Aracruz, a Votorantim, as siderúrgicas, etc, recorrem, habitualmente, ao crédito externo, em dólares, pagando taxas de juros que vão de 5% a 8%. Ou seja, aproximadamente, o que pagam, em geral, as empresas estrangeiras, em seus próprios países.


Assim sendo, quando se diz que a taxa SELIC é absurdamente alta, comparada com os mercados internacionais, e que esse é o maior inibidor dos investimentos no Brasil, cabem as qualificações feitas acima. A maior vítima das taxas de juros fixadas pelo COPOM do Banco Central é o Tesouro Nacional e, de algum modo, pode-se afirmar que na base da crise econômica nacional está o déficit orçamentário do Governo, causado, principalmente, pelos encargos dos juros. Ao longo do tempo, com taxas de juros que, em algumas ocasiões, chegaram a 45% ao ano, foi sendo acumulada uma dívida pública brutal, cujos juros geram os déficits, que geram juros, que reduzem os gastos em infraestrutura, que refreiam o crescimento econômico, que induzem ao aumento da carga tributária, criando um odioso círculo vicioso do qual não conseguimos escapar nos últimos 20 anos.


Em verdade, as taxas de juros que pesam negativamente sobre a economia são as taxas bancárias do chamado “segmento livre”, que começam com 50% ao ano para as operações de capital de giro e chegam a mais de 200% no crédito pessoal ou no financiamento ao consumidor. É aí que está o problema crucial da taxa de juros ao Brasil, que asfixia a grande maioria das micro, pequenas e médias empresas, que não têm outras fontes alternativas de financiamento.


Se bem atentarmos para estas considerações, vamos chegar à conclusão mais simples, de que a causa principal de todo esse imbróglio é o déficit público, que se transforma na insuportável carga tributária superior a 37% do PIB, este sim, o maior inibidor das atividades econômicas. Ao que tudo indica, a solução para a crise atual tem que começar com um planejamento sério e eficaz, para reduzir as dimensões do Estado e, por conseqüência, a carga tributária. É um trabalho que pode levar 10, 15 ou 20 anos, mas que se não for iniciado já, jamais terá fim. É como o primeiro passo de uma longa caminhada.


Publicado no Jornal A Gazeta de 31/08/2003, Caderno Opinião, pág. 5.

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