Reforma ou testamento fiscal? (Jornal do Commercio, 25/09/2002)

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Antonio Oliveira Santos

Presidente da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo


A Medida Provisória nº 66, anunciada como uma mini-reforma tributária na direção da justiça fiscal, foi expedida pelo Governo, porque o Congresso Nacional não votou o Projeto de lei nº 6.665/02, em face das pressões governamentais contrárias às modificações necessárias para dar tratamento fiscal adequado a alguns setores da economia, como o comércio de bens e serviços e a agro-indústria.


Não se trata, entretanto, de uma reforma, mas de um “testamento fiscal”, um des

Antonio Oliveira Santos

Presidente da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo


A Medida Provisória nº 66, anunciada como uma mini-reforma tributária na direção da justiça fiscal, foi expedida pelo Governo, porque o Congresso Nacional não votou o Projeto de lei nº 6.665/02, em face das pressões governamentais contrárias às modificações necessárias para dar tratamento fiscal adequado a alguns setores da economia, como o comércio de bens e serviços e a agro-indústria.


Não se trata, entretanto, de uma reforma, mas de um “testamento fiscal”, um desordenado pacote de medidas, que o Governo não adotou em oito anos e, agora, lega a seu sucessor. O pacote aumenta a carga tributária, aprofunda a burocracia, amplia a desorganização do sistema e estimula novos recursos ao Judiciário.


Na parte inicial da M.P., figuram as disposições constantes do projeto de lei em curso na Câmara dos Deputados, para substituir a incidência “em cascata” da Contribuição ao PIS, por uma incidência de valor agregado. Constitui uma mini-fatia de um projeto ideal, que substituiria, por um Imposto de Valor Agregado (IVA), o IPI, o ICMS, a COFINS, o PIS, a CSLL e a Contribuição do Salário Educação.


A inovação, limitada ao PIS, é apresentada a título de “experiência”, como se o Governo não dispusesse de excelentes técnicos na Receita Federal, no BNDES e no IPEA, para realizar as simulações necessárias, a exemplo do que tem sido feito nas alterações da legislação tributária. Se assim é, imagine-se que experiência terá de realizar o Governo, para implementar uma verdadeira reforma tributária.


A justificativa serve de pretexto para adiar a eliminação, na COFINS, do mesmo efeito “cascata”. Quanto a isso, a M.P. obriga o futuro Presidente da República a promover, em 2003, a transformação que o Governo atual não conseguiu concretizar em oito anos.

É bem verdade que a M.P., no que tange ao PIS, beneficia a indústria e o comércio de elevado porte, exclui da nova sistemática as empresas optantes pelo SIMPLES ou pelo lucro presumido, não atinge as cooperativas, as instituições financeiras e outras entidades, isenta a exportação de mercadorias e serviços e dá às importações um tratamento isonômico com a produção nacional. No entanto, eleva a carga tributária sobre o comércio de médio porte e todo o setor de serviços.


De modo injusto, o Governo, embora tenha atendido às justas reclamações da agro-indústria, criando um crédito presumido sobre o valor dos insumos adquiridos de pessoas físicas, fez-se surdo aos legítimos e razoáveis pleitos de cerca de quatro milhões de estabelecimentos do comércio de bens e serviços. Além disso, adotou tratamento discriminatório em relação às mercadorias em estoque, assim agravando os ônus fiscais do comércio de médio porte.

Mas não é só. Aos 19 dispositivos iniciais da M.P., que correspondem ao projeto de lei em curso na Câmara dos Deputados, o Governo acrescentou mais 44 artigos, tratando das mais diversas matérias: IR, IPI, CSLL (tornando definitiva a alíquota transitória de 9%), parcelamento de débitos, contribuições previdenciárias, débitos relativos à contribuição do PASEP de Estados, Distrito Federal e Municípios junto ao Tesouro Nacional, comércio exterior, controle de todos os residentes no País que viajem ao exterior por via aérea ou marítima, mercado atacadista de energia elétrica, novas penalidades fiscais, entidades fechadas de previdência complementar, cooperativas, Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), operação de hedge, bônus de adimplemento fiscal, compensação, dupla tributação na área do MERCOSUL, declaração de bens, REFIS e Dívida Ativa.

Agredindo a Constituição, o ato governamental invade matéria própria de lei complementar regulável por “lei ordinária” em sentido formal, com preceitos “anti-elisão”, a fim de revigorar o arbítrio fiscal próprio de ditaduras. Doravante, qualquer um dos milhares de Auditores da Receita Federal poderá autuar o contribuinte que, agindo nos limites da lei, procurar pagar menos imposto. Afora a agressão a todos os contribuintes brasileiros, sufocados pela carga tributária recorde de 34% do PIB, as regras “anti-elisão” ofendem a própria imagem, democrática culta e talentosa, do Presidente Fernando Henrique Cardoso, que a classe comercial sempre respeitou e apoiou.


Por outro lado, a M.P. dispõe sobre matéria processual, que, por não revestir a característica de urgência, não é própria de medida provisória.


Redigida com ofensa às normas da Lei Complementar nº 95/98 e do Decreto nº 2.954/99, do próprio Executivo, que regulam a elaboração dos anteprojetos de atos normativos, a M.P. constitui uma babel legislativa. Em suma, a M.P. em tela representa o inegável papel de um “testamento fiscal”, a bitolar a ação do Presidente a ser eleito no pleito de outubro próximo.


Publicado no Jornal do Commercio de 25/09/2002, Caderno Opinião, pág. A-18.

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